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SER-SÓ: A ESPERANÇA CONTRA A SOLIDÃO, por Raul Iserhard

Artigos e Notícias

Faço uma afirmativa: a sociedade não é a causadora de nenhuma doença mental conhecida. É ingênuo ou até irresponsável querer esta vinculação. A sociedade não tem como ser responsável pelos desvios biológicos, genéticos ou de desenvolvimento, da essência do ser humano. O que ela faz ou deixa de fazer com o doente, essa é a questão correta, mas não é aqui o caso de discuti-la. Nosso tema é outro. Estabelecer uma correlação da solidão como agravante da depressão e do ser-só como um caminho de esperança para sua compreensão.

Assim, temos a contemplar o problema da existência do ser humano e o que ele faz com ela, como indivíduo ou como sociedade. Não é, pois, que o mundo atual tenha entrado em crise e esteja, por assim dizer, “fora dos eixos”, mas que a existência humana parece ser “absurda” porque apresenta questões insolúveis para um ser dotado de razão, uma vez que não somos nossos próprios geradores e que, porém, pelo engajamento com nossa existência, podemos nos tornar quem escolhemos ser. A liberdade humana consiste em que o homem cria-se a si próprio, em um turbilhão infinito de possibilidades, ao escolher. Mesmo assim, escolher não é tarefa fácil, bem mais complexa, porque significa, basicamente, excluir todas as demais possibilidades.

A coragem desafia a condição de mortalidade; a liberdade desafia a condição humana de sermos nascidos; e a razão desafia a condição humana de se ter de viver em pleno absurdo. Assim pode se resolver o paradoxo de que o homem, embora não tenha feito a si próprio seja responsável por aquilo que é e pelo que faz de si (viemos de uma nada e nos dirigimos a um outro nada).

Estamos então diante do problema da solidão e do ser-só, como perspectivas da sociedade atual, que me parece ser o dilema que hoje enfrentamos – a invasão do homem moderno, através de todos os sentidos e por todos os meios possíveis, de forma a impedi-lo de ser consigo e estar consigo mesmo. Estamos vivendo uma paradoxal condição de escolha: a busca da nossa solução através dos outros, como um novo modo-de-ser, em detrimento da nossa autonomia, que é o encontro de nossa própria solução, deixando que nossas escolhas próprias sejam aquelas do coletivo. Mas é assim que somos: o homem é só precisamente porque é humano.

E tudo no universo é dessa forma, de um modo ou de outro, pois se estamos sós, estamos vivos e estamos vivos porque temos um corpo – corpo este que é diverso e separado dos outros. E ser diverso e separado é ser-só. Todavia, quem quer saber disso, que é só, que é fundamentalmente solitário? Esta é a pergunta que surge e a que tantos não querem responder, delegam-na ao coletivo, pois não querem suportar o ser solitário. Mas ninguém pode escapar-lhe, é nosso destino ser solitários e sabemos disso. Nem mesmo Deus pode resolver esse dilema proposto pela própria Criação – uma vez que Deus, para criar, retirou-se do mundo, pois se nele permanecesse o mundo não seria mais do que Deus mesmo. Nem o fato de sermos criados homem e mulher nos livra desta condição de ser-só; com a busca de um pelo outro só fazemos afirmar essa condição ainda que, pelo encontro perfeito que seja do amor ou mesmo do sexo, temporariamente o nosso ser-solitário fique suspenso. Mas é sempre uma suspensão, temporária, portanto, e que tantas vezes nos deixa com o sentimento de estarmos ainda mais solitários – demo-nos o mais profundo que pudemos e, não obstante, estamos sós. O mais dentro de nós permanece intocado e nesse ponto ninguém pode nos auxiliar – é nossa angústia e nossa grandeza – estamos encerrados dentro de nós mesmos. Por isso é que podemos nos dirigir para outrem e mesmo para Deus, podemos fazer perguntas, dar respostas, tomar decisões e ser livres.

A experiência pessoal desta condição própria do ser humano mostra suas duas faces e o faz através de duas simples palavras – solidão e ser-solitário.

A exclamação de Jesus: “Pai, por que me abandonas?” permite-nos perceber a profundidade da solidão humana e o profundo sentido desse ser-só. A solidão, porque põe a claro o abandono em que podemos nos encontrar, sempre que mergulhamos no desespero do vazio e da insignificância; e o ser-só, porque permite a contemplação da realidade do homem só, como fonte de toda comunhão e amor. Surge a pergunta: o que uma tem a ver com a outra? Ambas refletem uma experiência vital de falta e de incompletude. Nem sempre isso fica claro, pois são experiências muito próximas uma da outra.

Solidão é uma queixa comum, como se fosse um castigo imposto pela vida ou pelos outros que me abandonaram e dessa maneira parece que ela está além de mim, como se estivesse fora de mim e eu não fosse responsável por isso. O que leva a um terrível engano, pois assim deixo de ser seu autor e passo a ser sua vítima; não estou na sua origem, apenas fizeram isso de mim. É a dor de estarmos sós. Foi exatamente também este o sentimento de Jesus crucificado no Calvário: ter sido abandonado por seu Deus diante da mais profunda insignificância. O quanto esse sentimento nos leva ao caminho errado nem sempre percebemos: buscamos contatos, queremos estar no meio da multidão, queremos perder nosso anonimato e queremos poder ser ouvidos, mas no final, de um modo ou do outro, nos descobrimos sós, isolados, anônimos. Nem mesmo o talvez mais significativo momento de comunhão de um ser humano com o outro, o prazer do encontro sexual, permite a sua plena superação, pois é rápida a sua duração. Aqui nascem as experiências originadas da dor da solidão, visto que, como dor, está próxima do prazer e biologicamente isso também é assim – quantos não retiram um imenso prazer desse sentimento? Tal solidão não respeita o poder, a glória, nem os relacionamentos que podemos conquistar. Ela só pode ser vencida pelo seu reconhecimento, porém esse é um longo caminho.

A solidão mais conhecida talvez seja aquela de sermos deixados por quem nos servia de suporte contra ela ou mesmo por quem conosco convivia, por qualquer modo. Para muitos, tal solidão acaba se transformando em uma forma contínua de reprodução e de fonte de intensa tristeza. Todavia, não só nós, mas aqueles que possuem tudo aquilo que nós não temos, como amor, sexo, amizades, por acaso estarão eles livres da dor da solidão, porventura não estaremos nós também nessa condição? Uma resposta positiva nos coloca por diante o fato de que, em tantas vezes, com tudo e todos ao redor, não deixamos de perceber nosso afastamento absoluto e a dor que isso nos causa. Acaso não silenciamos e nos retiramos, para estarmos a sós conosco? Nesses termos, por mais fortes que sejamos ou por maior riqueza interior e serenidade que tenhamos, não escapamos do dilema do estar-sós, ou da solidão. Lembro aqui de Jesus no Horto das Oliveiras.

Quem não conhece a experiência da solidão advinda da interpretação de termos nosso amor rejeitado, de que não somos dignos de amar e o que oferecemos ainda assim é considerado pouco? Como é difícil entender que não há rejeição e que o amor ou a ternura que porventura viermos a receber não é por mérito nosso ou por dívida para conosco. Esta é uma solidão imposta por nós mesmos, porque confundimos a graça de sermos amados com um direito a sermos amados e assim é possível que nossa resposta seja de amargura, de dor, de hostilidade, tanto faz se por um protesto mudo ou por uma acusação de fato. A tentação é cairmos na reivindicação do direito que não temos. Retomando o exemplo de Jesus, a percepção que ele teve do seu momento e do seu destino teve o efeito de aliviar a sua dor: foi quando ele gritou para o seu Deus que permaneceria seu Deus, a despeito da imensa dúvida da insignificância e do vazio em que Deus o deixara, e da dor que por isso o trespassava.

Por semelhante modo, quem não conhece a solidão daqueles que realmente sofreram a experiência da rejeição, não como desejo ou como queixa, não como direito, mas como espera do outro e não o recebe? Aparentemente há um elemento de injustiça e de sem sentido envolvendo esse abandono. É uma certeza que se amplia, a de não termos a sorte de um destino de felicidade e isso é tão vivo que nenhum outro amor, ou mesmo o poder do nosso amor, consegue ultrapassar essa barreira que joga a pessoa na completa solidão. Além do sentimento de amargura, há agora a certeza da amargura, da dor profunda de um destino de solidão. O risco aqui é o de uma imensa e intensa rejeição do amor, da comunhão com os outros, quaisquer que sejam e um lento, contínuo e por isso desesperançado afastamento de todas as ligações com o mundo. Ficamos totalmente inseguros. É necessário saber que, em primeiro lugar, não há esse destino trágico e nem ele é assim; em segundo, que a completa aceitação de uma tal experiência, sem reservas ou condição, tanto da decisão do outro como do sentido maior da vida da qual a nossa existência faz parte, não decorre do nosso valor como pessoa – tal aceitação, que mais do que possível é necessária, produz um refrescante, envolvente e profundo encontro da pessoa consigo mesma, restaurando a possibilidade do amor. Voltando à citação de Jesus do Calvário, “Pai, em tuas mãos eu me entrego”, quando seu Deus foi reafirmado como o seu Deus, aconteceu a aceitação, por parte de Jesus, de que era totalmente aceitável por Deus, mesmo quando se considerou inaceitável e indigno pela dúvida de que se deixara possuir. Aqui se descobre o sentido mais profundo da restauração, do amor e da fé.

Ainda há outras duas formas da solidão que não podem ser superadas ou negadas: aquelas advindas da culpa e da morte. Pois não há, como de resto nas anteriores, como já vimos, quem possa retirar ou apagar de nossa existência aquilo que fizemos contra nós mesmos, contra nossas mais fundas convicções: não podemos deixar de sentir ou de constatar aquelas nossas culpas, omitidas ou assumidas, como nossas e tão-somente nossas – não há parceiro aqui, ainda que possa tê-los havido na sua execução. Ninguém, mas absolutamente ninguém, pode responder por aquilo que fizemos ou que deixamos de fazer, e isso significa dizer que para aonde quer que vamos ou que fujamos, elas estarão ali, junto, sempre conosco, irremovíveis. Estamos a sós com elas e esta é uma solidão que entremeia todas as demais, realizando muitas vezes perversamente, por sua própria natureza, uma verdadeira corte de julgamento e experiência de condenação. No paradigma que estamos empregando, Jesus, em nenhum momento de sua fraqueza e de sua solidão como ser humano, tornou-se seu julgador: quando percebeu o que significava confiar incondicionalmente e aceitar-se como aceito, mesmo que grande fora sua dúvida, apropriou-se dessas duas profundas experiências humanas e entregou-se ao Deus, sabendo-se só, mas já não mais estando só. Assim, como escreveu Tillich, surgiu o Deus, depois que o Deus desapareceu na ansiedade da dúvida e da insignificância.

Resta a outra, a solidão da morte, aquela de saber inevitavelmente que inevitavelmente morreremos. Tal antecipação também nos põe a sós e não há nada nem ninguém que a possa remover ou sequer atenuar e que, no momento derradeiro de nossa vida, é anossa morte que se faz presente e apenas a nossa morte. Não podemos morrer juntos e nem junto com ninguém – a travessia é radical e irretornavelmente solitária. Como escreveu um professor, colega e amigo, Dr. José Lemmertz:

“A certeza da própria morte constitui outro aspecto característico da condição humana. Embora ele esteja sempre presente e exerça uma influência considerável sobre o comportamento humano, muito pouco se tem estudado e publicado a esse respeito. (…) As ciências médicas, limitadas por concepções estritamente biológicas, pouco ou nada têm a dizer a respeito do problema da morte, sob o ponto de vista da pessoa. Da mesma maneira, também, as doutrinas psicológicas vigentes, só incidentalmente se referem a esse problema”.

“Assim, pois, a mais terrível crise existencial do homem – a vivência de sua própria morte se manifesta pela perda do futuro e das relações temporais; desintegração da personalidade e privação de todas as relações pessoais”.

Pode alguém pensar ou compreender esse estar ou ser solitário? A solidão só pode ser enfrentada por quem é capaz de suportar o fato de ser antes de tudo um solitário; é uma vontade humana, até para poder conquistar não só a dor e o medo, mas a alegria e a coragem. Há diversos caminhos para isso e, se acreditarmos no filósofo, podemos chamá-los de religião, “pois religião é o que o homem faz com seu ser-só”.

Resta, então, a resposta à outra questão de nosso encontro, a de sermos originariamente solitários, indivíduos. Esta, é a contemplação ativa da realidade do homem, consigo mesmo ou diante de si próprio, para além da solidão. Já vimos os problemas relacionados à solidão, vimos os percalços deste caminho e as suas conseqüências. Mas ainda não sabemos o que, de verdade, é ser-só. Ao passo que solidão tem sua origem em um desconcerto existencial, o ser-só é exatamente a condição existencial, natural, do homem nascido. É a contemplação de sua condição de ser e de estar jogado no mundo, tendo, por isso, de dar sempre uma resposta a ela. Não pode não responder. A sinceridade da resposta é que irá determinar o caminho do ser só ou da solidão.

Ainda que possa sentir-se unido a este mundo, na condição de criatura da natureza, envolto em meio à multidão dos seus semelhantes; sempre que, por qualquer motivo, nela pousar o olhar, abrir os seus ouvidos, aspirar os seus aromas ou sentir a sua resistência por um instante de êxtase; sempre que de tudo isso, pela memória ou pela vivência instantânea, for consciente, aí, precisamente aí, nem antes e nem depois, é tomado pelo ser-só. Essa percepção pode ser como uma vertigem ou como um êxtase, mas nunca não existe e, mais do que de angústia, como se poderia concluir, é fonte da sua necessidade e busca do outros e do mundo. E por ser fonte natural da busca dos outros e do mundo, permite, curiosamente, a singular experiência da separação e da distância, que sempre estão antes e diante dele. É singular e única porque, ainda que sendo vivida na angústia ou no temor, ao permitir a dimensão da falta e da incompletude, imediatamente propõe a solução, que é precisão que temos uns dos outros e do mundo. É a verdadeira fonte do amor.

Porque está separado é que o homem pode olhar para o que está além e porque podeolhar para o que está além é que pode conhece-lo, ama-lo e transforma-lo. Pode formular perguntas e obter respostas; só quem tem em si um centro impenetrável e desconhecido e o aceita e que tem a coragem de saber-se solitário é livre e é um homem, tal é a grandeza e tantas vezes a miséria humana. O ser-só de cada um é que nos protege sem nos isolar, é o que nos torna criativos. Todavia, não é sempre uma tarefa fácil; o próprio amor só é possível e renovado nesse ser solitário. Como amar alguém sem dele estar separado, distante, impenetrável? Os seus descaminhos não são desprezíveis, pois, descuidado o nosso ser-só ou temido pela angústia com que nos ameaça muitas vezes, facilmente poderemos cair nas trilhas da solidão, que é a sua demônica negação, e que nos enfraquece e nos isola. Só quem se sabe só é capaz por si próprio de buscar e encontrar aqueles dos quais está separado.

Somos sós. Talvez esta seja a questão do nosso tempo e mais do que em qualquer outra época – o homem está tão solitário que não encontra meios para enfrentar o seu próprio ser-só, cheio de angústia por aquilo que é o mais próprio do ser humano. E torna decisivas aquelas questões que não passam de banalidade, de trivialidade, de mesmice, afoga-se em uma civilização de quinquilharias, mas não percebe isso, os olhos estão travados, os ouvidos, surdos. Nada lhe oportuniza ser ou estar-só, consigo. Talvez seja este o sintoma mais agudo de nosso tempo – a privação das condições exteriores para o estar-só, o gesto mais simples para encontrar este ser-só. Pelo contrário, tudo é pensado, construído, desenvolvido e oferecido para vedar os olhos e fechar os ouvidos e embotar a razão as nossas mais prementes questões. Ficamos por diante de duas atitudes muito comuns e ambas deslocadas do seu verdadeiro centro: uma oferecida pelo engano do contínuo e obsessivo convívio; outra, pelo exagero do isolamento. Nenhuma, por suas próprias características, nos leva à verdadeira reunião com nosso próximo, nem ao surgimento do amor. Quase, digo quase para não ser absoluto, queremos que o coletivo diga ao indivíduo o que deve ser, fazer, como pensar, um coletivo que é invasor, desrespeitoso, autoritário, totalitário.

Todavia, a própria vida, Deus para quem assim o quiser, em algumas ocasiões nos encaminha ou aponta para uma direção contrária, a do caminho para o interior, lá onde ninguém pode nos ajudar e para aonde nem sempre queremos ir. Deus, ou a vida, quer saber sobre a nossa verdade, nossa concepção de justiça, nossa forma de amar, quer nos desviar da rota comum de todos os demais, o que nos pode causar o seu descrédito ou até mesmo a sua inimizade, quer nos obrigar praticamente a irromper para dentro de nossos próprios limites, para dentro de nós mesmos, para o milagre e o mistério da existência. E tudo isso só pode ser realizado de modo solitário e se aceitarmos nosso ser-só real. Quantos aqui presentes já não experimentaram e testemunharam que alguns minutos de saudável isolamento consigo, em sua intimidade, os enriqueceu mais do que horas e horas de incessante estudo para querer descobrir como isso aconteceu? O que ocorreu aqui?

Há um encontro conosco, não como nós nos conhecemos, mas como um ser no qual debatem-se razão e desrazão, vontade e desejo, criação e destruição, individualidade e coletivo, e por isso ser-só não é fácil. Mas será que proporcionar esse encontro conosco mesmos, desarmados, poderá resolver a circunstância da solidão ao transformá-la em consciência desse ser-só e aí já poder enfrentá-la realmente? Não, não temos a certeza da resposta, temos é uma grande dúvida sobre a resposta e não são muitos os que conseguem entender essa dúvida como um aguilhão da alma, como a motivação de sua busca, como provocação do seu conhecimento. A maioria tem outra solução.

Dúvida provoca temor, medo, angústia enfim. Eis-nos de volta ao ponto inicial. Repartir a dúvida resolve? Rezar resolve? Rejeitar resolve? Quem dera tivéssemos a resposta. Só o que nos cerca nessa hora é o silêncio, temível por certo, mas e se assim permanecêssemos, em silêncio? E através dele, permitíssemos a nossa alma, ao nosso coração, ao nosso espírito, ao nosso ser, o lamento mudo de nossa dor? Isso não é tão difícil, isso podemos realizar a qualquer tempo e em qualquer lugar e isso pode nos oferecer esse momento único, fugidio, de ser-só e contemplarmos esse ser solitário. Certamente alguém já teve essa vivência, de que algo ocorreu na sua intimidade – uma certa elevação diante de si mesmo e de sua condição humana, um poder olhar bem de perto o infinito, as duas dimensões, essência e existência, corpo e alma, unidas e experimentadas de forma imediata e além da razão, como uma e apenas uma.

É dessa circunstância existencial de reconhecer o solitário – e o corajoso – no homem que advém a comunhão entre os homens. Ninguém pode fazer isso pelo outro, mas cada um pode compreender isso no outro, a partir de si mesmo. Não se elimina o ser-só, mas se alcança o real sentido de ser “um com“, de comunhão, pois apenas na profundeza do solitário está aquele que é capaz de encontrar os outros de quem está separado. Esta presença do infinito que derruba as paredes que nos separam, tem a condição de inaugurar em cada um o sentido de humanidade e nos afasta da solidão. Queiramos ousar alcançar este solitário em nós, para contemplarmos o infinito, encontrarmos os outros e descobrirmos a nós mesmos.

Devemos relembrar aqui a retirada de Jesus para o deserto – não para tentar e testar o poder da sua divindade através da resistência ao demônio que nos habita como seres criados ou provar a sua superioridade, mas, ao contrário, para afirmar a sua humanidade, ao deixar-se penetrar integralmente e sem reservas pela condição própria de filho do homem e sujeito a todas as armadilhas da carne. Ao perceber, e quem sabe fazer perceber, a profundidade do sentido de estar só e de ser só, descobriu as tentações da solidão, travestida que estava de ilusão da comunhão e do poder. Com o sofrimento e através do sofrimento dessas tentações é que pôde compreender e seguir fielmente o seu destino, sem a necessidade de usar seus poderes para dele se afastar: o medo e a dor estavam nele totalmente incorporados.

Agradeço.

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