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UM EXERCÍCIO DE ENCONTRO COM DEUS, por Carlos Hernández

Artigos e Notícias

ENCONTRO COM O CARLOS HERNÁNDEZ 02 a 04 de novembro de 2001

Começamos o dia em silêncio. É muito bom cumprimentar sem palavras. O abraço, o afago, dizem mais. Mas é difícil tomar a iniciativa.

No café os gestos são mais cautelosos, medidos. Observamos e estamos sendo observados. Ao partir o pão, em silêncio, não houve como não abençoá-lo. Eu me senti um Sérgio Franco partindo o pão da eucaristia.

Lá fora olho as árvores, silenciosas no morro. Mesmo no silêncio, proclamam seu Criador.

A devoção matinal (quando o sol aparecia) e a devoção vespertina (quando o sol se punha) foram uma tradição para os salmistas.

“Anunciar de manhã a tua misericórdia e, durante a noite, a tua fidelidade…” Salmo 92. 2

Procuraremos nestes dias manter a ordem de amanhecer com a Palavra de Deus, para que a oração nasça dela. É bem possível que Jesus, antes de orar, se nutrisse nos Salmos.

DEVOÇÃO – SALMO 51

Vers. 1 – Tem misericórdia de mim, ó Deus, segundo a tua benignidade; apaga as minhas transgressões, segundo a multidão das tuas misericórdias.

Neste início de manhã, dentro do silêncio que nos propusemos a fazer, nossos ouvidos se tornam mais perceptivos. Os pássaros cantam, as vacas mugem, contando, provavelmente, a glória do seu Criador. E nós, ponto alto da Criação, o que fazemos?

Vers. 5 – Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe.

Tem piedade de mim, Senhor, porque em mim há um caos. Tenho que confessar essa desordem (este é um exercício de reflexão que faço a partir do salmo). Tem piedade, conforme a tua misericórdia, a tua natureza. Porque em mim há pecado, mas tu és amoroso.

Há uma origem que me liga ao pó, a uma desordem primordial, à origem do mundo. Tenho necessidade de salvação.

Começo a ter uma calma, segurança, firmeza. Tua misericórdia é uma coisa muito maior do que aquilo que eu entendo. Ela me supera.

Vers. 10 – Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova em mim um espírito reto.

Faz um gênesis, Senhor. Cria em mim. Que apareça algo novo, teu, em mim.

Tem piedade. Salva-me e me alegrarei, porque então poderei ser eu mesmo.

Descobri que quando me sinto torpe, cáustico, pecador, te percebo. O que tu desejas, Senhor, é um espírito quebrantado. Não há possibilidade de nada sem a presença do teu Espírito.

Há um engano em pensar que construindo, fazendo coisas (torres de Babel), chego perto de ti. Isso só acontece quando me sinto pó. Quero desapegar-me de todas as minhas imagens. Quero assistir a um novo gênesis. Quero me alegrar com a tua criação, as árvores, os passarinhos.

Cantar-te-ei Senhor, um novo cântico.

Quanto mais eu me justifico, dou explicações, mais endureço, mais fico preso ao tempo cronológico.

Quanto mais tenho a atitude do salmista e me confesso, mais me transformo de uma maneira que nem entendo, muda a minha temporalidade. Uma coisa que para mim era impossível, Deus a transforma. Assim como nosso ser exterior envelhece, o interior se renova (“subirão com asas como águias”). No entanto, é necessário voltar sempre ao caos: “Tem piedade de mim”. Se reconheço que estou equivocado, então estou diante de Deus.

O momento da devoção é um momento de reconhecimento da nossa finitude, de tomarmos consciência de que somos pó. Qualquer outro tipo de reconhecimento não faz sentido na devoção (o reconhecimento dos grandes mitos do cinema: “Sou linda!”. Até quando? Até cair!).

Ao ler o texto bíblico, somos também lidos, porque ele é uma palavra viva. É como a dança, em que os dois parceiros interagem. Um dança com o outro. O outro dança com um!

Quero enfatizar, no começo deste dia, que a devoção é confessional. Reconheço que sou pecador.

Visita-me, Senhor, e faz em mim um novo gênesis.

Primeira Charla

Estamos muito impregnados pelos modelos interpretativos, mas é melhor partirmos de uma descrição bem feita. Uma boa descrição é tão importante quanto a interpretação, é quase a própria interpretação.

O que acontece quando eu leio? A leitura do texto bíblico não deve buscar a sua compreensão racional, uma interpretação intelectual. Antes, deve-se deixar levar para uma interioridade, “imageless”, penetrar a alma.

Minha alma tem registradas as emoções de quando Deus a criou. Tem sede de Deus assim como meu cérebro registra sede de líquidos.

A intimidade da estrutura eucarística da devoção permite:

1. Enfrentar o caos do despertar como um “novo” gênesis – nunca antes imaginado.

2. Pronunciar uma palavra que “atue” separando as trevas da luz: “Senhor, tem piedade de mim”.

3. Desta forma transforma-se a rígida seqüência irreversível do tempo cronológico e modela-se o tempo do kairós, que é espontâneo, criativo, reversível, regenerativo.

O Carlos contou de uma senhora da sua igreja que ficou viúva, e que disse que não voltaria a se casar, pois os homens da sua idade não são mais interessantes, só dão trabalho. Recentemente o Carlos recebeu um cartão postal dessa mesma senhora, dizendo estar em viagem de lua-de-mel! Vem a possibilidade da transformação que cria condições para se viver o que não foi vivido até então.

O Carlos disse que ia introduzir uma temática delicada da Bíblia: estamos acostumados a ler

I Reis 8, que narra o momento glorioso da consagração do templo de Jerusalém. Mas poucos de nós lemos I Reis 11. 7, onde Salomão constrói templos a outros deuses – nos altos – embora o Senhor tivesse aparecido duas vezes a Salomão (“Nesse tempo, edificou Salomão um santuário a Camos, abominação de Moabe, sobre o monte fronteiro a Jerusalém, e a Moloque, abominação dos filhos de Amom.”).

Nós também construímos um templo lindo a Yahweh, mas construímos templos a Camos e a Moloque, construímos templos aos nossos ídolos!

Na devoção, ao “toque do sino” de Deus, reconhecemos nossa finitude, o caótico que há em nós. Somos os dois momentos de Salomão.

Os biólogos dizem que nos seres humanos completos há rastros de gêneros anteriores. Nossa estrutura tem paralelismo com seres inferiores da natureza (chimpanzé, gato, pomba, rã …)

1. Nível réptil (paleocérebro ou rinencéfalo) – ligado às condutas reativas, cruéis, desligadas dos afetos (gesto abrupto e cruel da patada do jacaré). Organização da crueldade. Sangue frio, vida fria. (A cocaína, quando aspirada, vai rapidamente para o cérebro e desperta comportamentos cruéis, sem calor.).

2. Nível mamífero – a proximidade emocional, com a pele coberta de pelos, como a da cachorra que aconchega seus filhotes. Há um nível de aquecimento que já favorece a vida comunitária (sangue quente e troca de afetos pelos movimentos de alegria festiva). A festa, o esporte da dança…

3. Nível humano – a proximidade emocional da pele desnuda, “a intimidade”. A reflexão do que é vivido. A intimidade não termina, se aperfeiçoa. O pacto (um homem e uma mulher que decidem envelhecer juntos e ficar juntos até a morte).

4. Nível da biologia da ressurreição – o despertar da alma no encontro “imageless”. A morte como começo da vida: “o que quiser viver deve morrer”. É a experiência da graça em nós, o reconhecimento de que Deus atua biológicamente em nós, e então podemos viver a experiência que desejávamos. A consciência que temos de que o Senhor nos visita e que, quando nos visita, arde nosso coração. É o íntimo que aparece depois de superar todas as nossas defesas, superar nossos medos (quando conseguimos fazer a confissão do nosso “réptil”, altera-se a nossa biologia).

A estrutura da ressurreição é uma conseqüência de havermos sido visitados. É como se um vírus nos modificasse a estrutura genética, trazendo comportamentos que não nos são característicos.

EXERCÍCIO

Relato de um episódio da minha vida, para ser partilhado num pequeno grupo:

1. Transcrição do “eu” narrador

Escrever nossos momentos de “Salomão construindo um templo a Deus” e nossos momentos de “Salomão construindo templos aos ídolos, nos lugares altos”.

2. A tradução que procura clareza de expressão

A transcrição do meu pensamento vai exigir uma tradução, uma explicação que seja clara para o que vai me ouvir. Decodifico meu pensamento para o grupo.

3. A transação na urdidura da intimidade

Cada um do grupo faz seu relato. Há uma transação. A história do outro junto com a minha história forma uma trama, um tecido comunitário.

4. A transformação que vivenciamos (“porventura, não nos ardia o coração?”)

Então há uma transformação. Vivenciamos uma emoção que nos surpreende. Sempre que me justifico, me fecho. Mas na emoção não posso manipular. Vem uma história real, sem justificativas. Nem construo apenas templos aos ídolos, nem construo apenas templos ao Senhor. Sou um ser finito, com altos e baixos, mas que posso ser crítico em minha finitude, consciente da minha morte, do meu limite, da minha sede de salvação.

Neste exercício escrevo, ouço o outro, reescrevo, mudo. Cada história contada para o outro é acrescida de novas percepções. O coletivo completa a narrativa individual com suas influências.

Existem experiências comunitárias que minimizam a dor. É a “ação do amigo”, a intimidade.

“… e apedrejando a Paulo, arrastaram-no para fora da cidade, dando-o por morto.

Rodeando-o, porém os discípulos, levantou-se e entrou na cidade…” Atos 14. 20

Carlos lembrou que ao ser hospitalizado, recentemente, foi atendido por amigos, e isso foi fundamental para a sua boa recuperação.

A intimidade não tem o ritmo da marcha (cada um por si), mas sim o da dança (uma parceria). Na intimidade não posso falar o que quero, falo o que o contexto me permite. Ajusto meu passo ao do outro, desenvolvo sensibilidade para perceber para onde o outro me conduz.

O Carlos tinha um paciente obsessivo que insistia em dizer que era burro, idiota, que não tinha valor (“Soy tonto, tonto!”)… Por anos a fio repetiu isto. Escutá-lo e não falar nada levaria a uma relação sado-masoquista. No entanto, o que escuta pode ter uma atitude amorosa, falar ao outro que não é bem assim (mostrar a “outra face” da moeda).

Pela graça de Deus reconhecemos que somos justificados e pecadores. Nossa luz se apaga em alguns momentos. E ainda assim Deus nos visita outra vez.

A intimidade não é fácil (se fosse fácil não seria intimidade). Ela pressupõe a morte da minha expectativa com relação ao outro.

MEU RELATO

Templo a Deus – Tenho procurado, há anos, mesclar vida profissional e missão, para fazer meu trabalho como se o estivesse fazendo pra Deus, e desenvolver a minha missão com espírito bastante profissional.

Templo aos ídolos – Procuro atender a todos que me solicitam, sou bastante disponível para os problemas dos outros, praticando o “agrade sempre”, mesmo que em detrimento da minha própria família – em especial os meus filhos.

“Senhor, ajuda-me a distinguir as fachadas dos 2 templos”.

Segunda Charla

De onde vem a minha salvação? De onde me virá o socorro? Vem dos montes? Não, vem do Senhor (montes = lugares altos, lugar da idolatria). O meu socorro vem dos céus, e não dos lugares de idolatria.

Salmo 121. 1 – Elevo os meus olhos para os montes: de onde me virá o socorro?

2 – O meu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra.

O apego tem a ver com as nossas primeiras emoções, quando ainda éramos totalmente dependentes. Tem a ver com um desejo legítimo de ser amado e protegido. É um regressão. Se formos regredindo, chegaremos ao lugar de acolhimento máximo na infância: os seios da mãe. Vamos atrás desses lugares idolátricos. Mas esta é uma ajuda que fantasiamos, anacrônica, porque não somos mais crianças, não tem a ver com o agora. Queremos sempre voltar atrás, queremos o Egito outra vez, queremos o seio materno.

Necessitamos de salvação como uma necessidade de vida: nosso espírito precisa se conectar com o Espírito de Deus. Como nos aliviamos na devoção, para receber nosso Senhor! Na devoção podemos ser espontâneos, ser como somos, não santarrões. É quando nos desapegamos de nossas idolatrias para ser naturais, livres, e oferecer a ele uma boa acolhida, porque ele é Rei (O apocalipse destrói a imagem de rei que inclui a coroa, os mantos coloridos, a riqueza. Lá, no trono, há um cordeiro. Ferido.).

Existem regressões que são estratégicas – nos processos criativos, por exemplo – necessárias. A fixação da regressão é que é patológica – a impossibilidade de viver se não for “desta maneira” (Faz lembrar Pedro no monte da transfiguração: “bom é estarmos aqui; se queres, farei aqui três tendas…”)

Abraão, o pai da fé, saiu a mando do Senhor, e nunca mais voltou.

O apego me oculta da presença de Deus, porque significa que acredito que dou conta sozinho das minhas questões. É como o presidente de uma empresa que, convencido de que a cadeira presidencial é fundamental para a sua vida, vai ao banheiro agarrado a ela. Não consegue enxergar uma outra forma de vida. O apego infantil de muitas pessoas aos bens, ao dinheiro, tem feito com que a situação social fique em total descaso. São formas idolátricas de apego ao dinheiro, enriquecendo uma classe (que inclui os políticos) e empobrecendo outra.

DEVOÇÃO DA NOITE – SALMO 16

Após a leitura do Salmo cada participante se levantou, leu o versículo que mais o tocou, e fez um pequeno comentário. Meus versículos preferidos são:

Vers. 1 – Guarda-me, ó Deus, porque em ti me refugio.

Vers. 2 – Digo ao Senhor: Tu és o meu Senhor; outro bem não possuo, senão a ti somente.

Vers. 7 – Bendigo ao Senhor que me aconselha; pois até durante a noite o meu coração me ensina.

Vers. 8 – O Senhor, tenho-o sempre à minha presença; estando ele à minha direita,

não serei abalado.

Vers. 11 – Tu me farás ver os caminhos da vida; na tua presença há plenitude de alegria,

na tua destra, delícias perpetuamente.

Fomos dormir em silêncio, novamente.

E em silêncio ficamos até o final do café da manhã.

DEVOÇÃO – SALMO 106

Vers. 4 – Lembra-te de mim, Senhor, segundo a tua bondade para com o teu povo;

Visita-me com a tua salvação,

Entendamos que o pensamento de Deus nada tem a ver com o nosso pensamento. Há uma relação assimétrica entre nós. Ele é nosso Criador, somos suas criaturas. Nossa lógica é muito simples comparada com a dele. Quem somos nós para perguntar “por que nos fizeste assim”?

Salva-nos, Senhor, da nossa torpeza; ajuda-nos no amor com o nosso semelhante, porque tampouco seus pensamentos são os nossos pensamentos.

Vers. 23 – Tê-los-ia exterminado, como dissera, se Moisés, seu escolhido, não se houvera interposto, impedindo que a sua cólera os destruísse.

(Nm 14. 11, 12 – Disse o Senhor a Moisés: Até quando me provocará este povo, e até quando não crerão em mim, a despeito de todos os sinais que fiz no meio deles?

Com pestilência o ferirei, e o deserdarei; e farei de ti o povo maior e mais forte do que este.)

Queremos ser como Moisés, que intercedeu pelo povo dizendo: “Perdoa, pois, a iniquidade deste povo, segundo a grandeza da tua misericórdia, e como também tens perdoado a este povo desde a terra do Egito até aqui”.

Vers. 32a – e, por causa deles, sucedeu mal a Moisés.

Bem-aventurado o homem que jura, as coisas não saem como ele esperava, mas, mesmo assim, mantém o seu juramento.

(“… aquele que jura com dano seu, e contudo não muda”. Sl 15. 4b).

Temos que voltar a ser crianças, mas sem perder a capacidade crítica

Visita-nos, Senhor. Vem!

O Senhor tira o povo da terra do Egito, mas não está bom assim. Torna águas amargas em doces, mas ainda não está bom; o povo murmura contra Moisés e Arão no deserto. “Quem nos dera tivéssemos morrido pela mão do Senhor, na terra do Egito, quando estávamos sentados junto às panelas de carne e comíamos pão a fartar”. Nunca estamos satisfeitos.

Sei, Senhor, que tu me amas, e já me livraste muitas vezes. Cuidou de nós no Egito, cuidou de nós no Brasil, e cuida de nós na América Latina. E cuida de nós.

E cuida! Com amor incondicional, maior que o amor dos nossos pais. Só depois da morte de meus pais fui perceber que o amor de Deus é maior que o amor de minha mãe e de meu pai.

Visita-me, Senhor, porque a minha história é essa.

Vers. 47, 48 – Salva-nos, Senhor, nosso Deus, e congrega-nos de entre as nações, para que demos graças ao teu santo nome e nos gloriemos no teu louvor.

Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, de eternidade a eternidade; e todo o povo diga: Amém! Aleluia!

APÓS A LEITURA, UM PERÍODO DE CONVERSA, DE COMPARTILHAR

(O Carlos comentou que toda manhã, na sua devoção, senta-se com a Lidia para a leitura bíblica e o seu cachorro, um “capa preta”, senta-se ao seu lado. Quando chega o momento da oração, o cachorro coloca a pata sobre a perna do Carlos.)

O ídolo sempre ganha. Não dá nada que não exija outra coisa (muito maior) em troca. É o banco que nos mima com cafezinhos e atenções especiais, são os cassinos que nos seduzem com promessas de enriquecimento rápido, mas são todos programados para ganhar às nossas custas, sempre.

O kairós é um tempo que recria. Mas para isso é preciso descobrirmos nossas idolatrias.

O ídolo é atraente porque ele nos remete à nossa origem: o útero acolhedor, água em boa temperatura, suspensão, alimento; após o nascimento, a amamentação, as carícias. Mas logo depois tudo que queremos vai ter seu preço:

Quero tal coisa Então me dê 20 reais.

Quando eu me aproximo de Deus, na devoção, tenho que reconhecer que sou assim como sou. A devoção cria uma intimidade que me permite abrir a alma. Não como uma criança mimada – “não, eu não quero atravessar o Mar Vermelho a pé, quero ir de avião!” -, mas com coragem. A vida com Deus significa coragem!

Como preparamos uma coisa e fugimos dela quando ela vem? Carlos contou que uma prima sua foi passar a lua-de-mel na cidade onde ele (Carlos) mora, e hospedou-se com seu marido num hotel perto de sua casa. Às 2h da manhã o rapaz bate à sua porta dizendo que estava entregando a moça, pois ela não parava de chorar, dizendo que queria sua mãe. Faltou-lhe coragem para assumir sua escolha.

O ídolo dá uma sensação de continuidade. O banco promete que vai mudar seu futuro. Para sempre. Você vai mudar de casa, de carro… Na verdade ele está de olho no seu dinheiro.

É preciso discernir entre o ídolo e Deus.

Terceira Charla

LUCAS 24

Na Bíblia há certas passagens que são textos holográficos, mostram num único texto todas as narrativas da Bíblia (o holograma repete, em cada pedacinho, a imagem inteira. Do mesmo modo o espelho, mesmo se quebrando em inúmeros pedaços, ainda vai reproduzir a imagem inteira em cada pedacinho, e não um fragmento de imagem). Assim é o texto de Lucas 24, que fala dos dois discípulos a caminho de Emaús.

Todo o processo de feitura do pão obedece a uma ordem: primeiro a semeadura do trigo, depois o regar, colher, moer, amassar, dar forma e assar o pão. No entanto, o Senhor, em segundos, parte o pão.

Vers. 21 – Ora, nós esperávamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel; mas, depois de tudo isto, é já este o terceiro dia desde que tais cousas sucederam.

CAOS – Desmorona-se a construção cuidadosamente planificada. Vem a decepção, com o fracasso de coisas que esperávamos que acontecessem, mas não aconteceram. A devoção começa com o caos. Há um desejo infantil de retornar ao seio materno, onde nenhum sofrimento acontecerá, onde não temos que nos preocupar com mais nada.

Vivenciamos a humilhação, como na crucificação. O Carlos lembrou sua própria cirurgia recente, onde foi colocado numa maca, braço aberto de um lado, soro na veia; braço aberto do outro lado, anestesia; entubado. Uma verdadeira crucificação.

A humilhação é um caminho necessário na vida. É o lugar onde combatemos nossa fantasia de onipotência, onde nos desapegamos dos ídolos.

“Se ao estar com Deus, descobrimos que estamos equivocados, quer dizer que estamos em bom caminho.” Kierkegaard

Vers. 22 e 23 – É verdade também que algumas mulheres, das que conosco estavam, nos surpreenderam, tendo ido de madrugada ao túmulo;

E, não achando o corpo de Jesus, voltaram dizendo terem tido uma visão de anjos, os quais afirmam que ele vive.

OSCILAÇÕES NOS NÍVEIS DE ATENÇÃO – Por qualquer distração do nosso pensamento, o Senhor nos foge facilmente à percepção. Estamos tão ocupados com a nossa idolatria que muitas vezes expulsamos os anjos que passam por nós.

Vers. 25 – Então, lhes disse Jesus: Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram.

VIDA DA PALAVRA – Despertamos à Vida da palavra lida.

Vers. 30 e 31 – E aconteceu que, quando estavam à mesa, tomando ele o pão, abençoou-o e, tendo-o partido, lhes deu;

Então, se lhes abriram os olhos, e o reconheceram; mas ele desapareceu da presença deles.

A INTIMIDADE E SEU KAIRÓS – Constituída “a intimidade e seu kairós”, se inicia o diálogo dos “desejos”. Preciso ser responsável nos meus desejos (a prima do Carlos, mencionada anteriormente, foi irresponsável no seu desejo de se juntar ao noivo.). Se tenho o desejo de receber uma visita, tenho que me preparar para ela. Não posso simplesmente chegar e me desculpar por não ter tido dinheiro para ter comprado o vinho, as comidas…

Vers. 32 – E disseram um ao outro: Porventura, não nos ardia o coração, quando ele, pelo caminho, nos falava, quando nos expunha as Escrituras?

A VISITAÇÃO – Impõe-se a magnificência da Presença, “a visitação”. Quando partilhamos nosso pão com a visita, aparece a magnificência: Ah… a visita era muito melhor do que imaginávamos!

Vers. 33a – E, na mesma hora, voltaram para Jerusalém …

NOVA BIOLOGIA – Uma nova biologia começa a revisar os registros do já vivido e a organizar os momentos que deseja viver.

Quarta Charla

O momento da devoção envolve desapego, disposição, vontade e paciência. Significa disponobilizar o melhor que temos para que o Senhor decide se vem, e quando vem.

A intimidade é uma arte que combina a ação com o contexto. As condições nutridoras da intimidade não são completamente conhecidas, não podem ser forçadas através de estratégias. Ao contrário, são espontâneas. A pessoa sente-se bem. A intimidade leva à koinonia.

Fenômenos que podem acontecer na intimidade:

1. O fluir emocional, o sentimento que tem um propósito compartilhado, que por sua vez provém de um contexto.

2. Uma presença inconfundível, que surge com força e que exige minha atenção (A presença se apaga com facilidade, foge da minha percepção, por isso requer constante atenção. A distração a faz desaparecer.). É preciso criar um espaço digno para esse encontro, preparar o lugar (interna e externamente, inclusive), esvaziar-se dos ídolos, de tudo que atraia a minha atenção. Um espaço vazio, no entanto, cheio de desejo, de afeto, de amor, e de arrependimento.

3. A busca de um “timing” perfeito faz fracassar a intimidade. Mas é a sincronicidade que confirma a intimidade. A sincronicidade alude a um aspecto de “visitação” espiritual (parece que o encontro já tinha sido preparado anteriormente). É a biologia da ressurreição.

A intimidade tem a ver com nossa experiência transpessoal. Essencialmente é uma organização biológica mais profunda que me permite uma participação.

Na década de 60 foi feita a seguinte pesquisa: Seleciona-se uma pessoa para a pesquisa e pede-se que ela corra o quanto conseguir. Ela corre 10km, por exemplo. No outro dia ela é avisada de que vai correr novamente o quanto agüentar, só que desta vez acompanhada de um amigo. O resultado é que muda o seu funcionamento biológico – seu organismo libera endorfina – e ela corre quase 20km, ou seja, o dobro do que conseguiu sozinha.

Os encontros nos capacitam a conseguir muito mais do que conseguimos na solidão.

É preciso estarmos constantemente preparados para “enfrentar” (receber!) uma visitação espontânea, não esperada, não programada. Esta preparação se faz através do desapego, da atitude humilde, sem a qual não haverá intimidade.

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