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SIMÃO E A PECADORA, por Karin Wondracek

Artigos e Notícias

Lc 7:36-49

“Um fariseu convidou-o a comer com ele; ele entrou na casa do fariseu e se recostou à mesa”.

No evangelho de Lucas, os fariseus não recebem tanto enfoque crítico como nos outros evangelhos. Tomado neste sentido, podemos dizer que meu lado fariseu – que estuda a Bíblia, procura fazer o correto e cumprir com os deveres – convida Jesus para um jantar.

Jantar é uma ocasião apropriada para travar contato social – oferece-se algo, honra-se alguém, introduz-se alguém em nossa casa. Mas a relação de jantar não deixa de exibir certa formalidade – o convidado dificilmente passa da sala de visitas para a intimidade da casa, a conversa se desenrola agradável, evita-se temas polêmicos. É um relacionamento ao redor de uma mesa, e assim como esta esconde o corpo, também a relação fica a nível de cabeça, da cintura para cima.

É conversa do meu lado racional, do hemisfério dominante, da esfera da ciência e do conhecimento lógico. Meu lado ânimus toma Jesus desta forma.

Chegou uma mulher da cidade, que tinha má fama; ela soube que ele estava à mesa em casa o fariseu.

Outro personagem entra em cena, e tomando em sentido metafórico, o que significaria? Talvez possa-se pensar no meu lado de “má fama”, pecador – aquele que não se manifesta numa relação puramente social. Aqui é uma mulher, símbolo de ânima – meu lado intuitivo, sentimental, minhas emoções, sonhos e desejos – este meu lado percebe a porta que meu lado racional abriu e também quer se relacionar com Jesus.

Trazendo um frasco de alabastro cheio de perfume.

Este meu lado chega com perfume – é um encontro dos sentidos da alma com Jesus. Cheirar com a alma é intuir onde está a fonte do amor. Preciso deste sentido para discernir pessoas, teologias, para não deixar me enredar com aquilo que “fede”, que vai me deixar em pior estado.

“e indo por detrás, em lágrimas, aos pés de Jesus, ela se pôs a banhar os seus pés de lágrimas; enxugava-os com os seus cabelos, cobria-os de beijos e derramava perfume sobre eles.

Este meu lado não se apresenta na mesa, vai por trás, vai aos pés – não “chega por cima”, não se impede, se humilha porque reconhece com o coração toda a grandeza de Jesus. Mas vai à base – pés, chega de mansinho. Chega em lágrimas porque o relacionamento é mais de pele e não de palavras – é de comoção intensa. Os místicos antigos falam do “batismo de lágrimas”, significando a capacidade regeneradora que o Espírito Santo dá de chorar a partir da alma na presença de Jesus. Este lado não conversa, ele simplesmente ama. É quando consigo orar e me relacionar com Jesus na foram de silêncio e lágrimas, derramando profundos afetos perfumados na sua presença.

Vendo isso, o fariseu que o convidara disse consigo mesmo: “Se este homem fosse um profeta, saberia quem é esta mulher que o toca, e que ela é: uma pecadora”.

Meu lado fariseu não fica muito à vontade com tantas demonstrações vincas do meu lado escondido. Parece que este lado, sufocado pelo treino em obedecer leis, não deveria irromper. Pare esse lado, “ser profeta” significa julgar, condenar e afastar o impuro. Muitas vezes, também somos críticos com nossa afetividade que irrompe, e com a dos outros. Nossa religiãonão deixa espaços para relacionamentos profundos com cheiros e lágrimas, quer apenas comunhão social da mesma.

Jesus tomou a palavra e lhe disse: Zimão tenho algo a dizer-te.” “Fala mestre”, disse ele.

Jesus sabe lidar com nosso lado racional, tem algo a dizer para ele. Será que nós o escutamos como Simão o fez? Parábolas são histórias para razão e emoção entenderem e acolherem a mensagem da graça.

“Um credor tinha dois devedores; um lhe devia quinhentas moedas de prata, o outro, cinqüenta. Como não tivessem com que pagar, ele perdoou a dívida de ambos. Qual dos dois o amará mais?”

Simão respondeu: “Penso que aquele a quem ele perdoou a maior dívida”.

Jesus lhe disse: “Julgaste bem”.

E voltando-se para a mulher,, ele disse a Simão: “Estás vendo esta mulher/ Eu entrei em tua casa: tu não me derramaste água sobre os pés, mas ela banhou os meus pés com as suas lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. Tu não me beijaste mas ela, desde que entrou, não cessa de me cobrir os pés com beijos. Tu não derramaste óleo perfumado sobre a minha cabeça, mas ela derramou perfume sobre os meus pés.

Nosso culto só com o “lado Simão” é insuficiente porque ele não se doa a Jesus com todo nosso ser. Não mexe com o corpo e com a emoção. É nosso lado perdido, nosso lado pecador que pode prestar o culto mais profundo que envolve o corpo todo.

Se eu declaro que os seus pecados tão numerosos foram perdoados, é porque ela mostrou muito amor. Mas aquele a quem se perdoa pouco, testemunha pouco amor.” Ele disse à mulher: “Os teus pecados foram perdoados.”

É este encontro que atinge nosso mais íntimo, que faz com que recebamos o seu perdão em todo nosso ser. Só o desnudamento profundo na presença permite que meu ser seja tocado na intimidade.

Os convivas se puseram a dizer consigo mesmos: “Quem é este homem que chega a perdoar os pecados?”

Quem é este Jesus, que lida de um jeito tão amoroso como nosso lado perdido? É sua ternura para conosco que faz com que nossa alma queira se aproximar cada vez mais. “Nós o amamos porque ele nos amou primeiro.”

Jesus disse à mulher: “A tua fé te salvou. Vá em paz”.

Quando todo o meu ser permite ser tocado por Jesus há paz. A mulher “vai em paz”, recebeu alimento de Jesus. Nada é dito de Simão, o fariseu neste final. É uma pena se ele se contentou em só dar de comer a Jesus, sem captar o alimento para a alma que sua presença irradia. Isto é típico dos religiosos que só pensam em “fazer”. É meu lado perdido que consegue dizer: “Tem misericórdia de mim, pecador” e então ouvir: “Vai em paz”.

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Karin Wondracek

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