SEXUALIDADE E ESPIRITUALIDADE Congresso CPPC – Sul, Gramado, 1997
1. Apresentação: cada participante traz uma palavra que lhe ocorre sobre sexualidade e espiritualidade.
2. Introdução
Diz Blaise Pascal:
A fé abarca muitas verdades que parecem contradizer-se umas às outras. Por exemplo: “há um tempo de rir e um tempo de chorar.”
A fonte desta dualidade é a união das duas naturezas em Jesus Cristo e também dos dois mundos ( a criação do novo céu e da nova terra; uma nova vida e uma nova morte; todas as coisas duplas, os mesmos nomes permanecem); as duas naturezas é o correto: justos ainda que pecadores, mortos ainda que vivos, vivos ainda que mortos, etc.
Há um grande número de verdades, tanto na fé quanto na moral, que parecem ser contraditórias mas que podem sustentar-se bem unidas em um sistema maravilhoso. A origem da maioria das heresias é a exclusão da algumas destas verdades. O que geralmente sucede é que há uma incapacidade de conceber a conexão entre duas verdades opostas; com freqüência se adere a uma e se exclui a outra, e logo nos posicionamos como opostos a esta. Portanto, a exclusão é a causa da heresia, e a ignorância das conexões que unem o aparentemente contraditório é o que mantem as objeções. (Apud Carlos Hernández, 1996)
3 Método de abordagem
Sair do polo explicativo, racional que tem permeado as discussões no meio eclasiástico – busca de “leis”, manuais de conduta, caminhos descomplicados para obter prazer sem culpa. Nossa cultura racional transformou assuntos complexos em caricaturas, produzindo códigos simplificados reducionista. Assim ao retirar as contradições, também excluiu a riqueza da pluralidade.
4. Esboço histórico
No Gênesis – macho e fêmea os criou
Feminilidade e masculinidade são dons de Deus. A intensa atração de um pelo outro, o desejo de união, é interpretado pelos místicos como desejo de união para ter a imagem de Deus. Somente a união dos dois reflete a imagem de Deus.
LÂMINA REMBRANDT – MÃO FEMININA E MASCULINA
LÂMINA S.KÖDER
Em toda Bíblia o amor entre homem e mulher, a atração entre ambos, é figura do amor de Deus pelo seu povo.
Isaías 62,3 Serás uma coroa de esplendor na mão do Senhor
Uma tiara de realeza na palma da mão do teu Deus
Nào dirão mais de ti: “Abandonada”
Nào dirão mais à tua terra “Desolada”
Mas te denominarão “Nela meu prazer”
E a tua terra “a Desposada”
Pois o Senhor em ti encontrará seu prazer
E a tua terra será desposada.
Com efeito, assim como o jovem desposa a noiva
Teus filhos te desposarão
E com o entusiasmo do noivo pela sua prometida
O teu Deus estará entusiasmado por ti. (62,3-5)
Para o povo hebreu esta figura é bem compreensível, pois para eles a sexualidade próxima à espiritualidade é mais abençoada – sexualidade no sabath é bênção especial.
Cantares x pornografia
Nào desperteis o meu amor antes que o queira (3,5)
Conforme Carlos J. Hernández, Cantares é o oposto da pornografia: não há descrição do orgiástico, é um jardim fechado(5,12-16)
É anunciado, convidado, mas não explicitado.
Pertence à esfera do mistério, nào do problema.
Nào porque seja vergonhoso, mas porque é supremo.
A nudez pornográfica é bem diferente da nudez do paraíso. A sexualidade com espiritualidade recria o jardim do paraíso – estar nú, exposto e entregue.
A separação entre sexualidade e espiritualidade teve seu marco com o pensamento grego – privilegiando a mente, o intelecto, o corpo ficou em segundo plano. O pensamento foi considerado superior, e o acesso ao que há de mais supremo será pelo raciocínio. O corpo ficou como acompanhante frágil, que se interpõe, com suas paixões, que quebra a harmonia estabelecida pelo pensamento.
Este pensamento infiltrou-se pouco a pouco no cristianismo, tendo seu apogeu com Santo Agostinho. Para ele, a libido sexual é inimiga da vontade e da liberdade, atrapalha o homem na sua devoção.
Eis a descrição que ele faz do ato sexual:
O ato sexual é uma espécie de espasmo. Todo o corpo (…) é agitado por sobressaltos horríveis. O homem perde todo o controle sobre si mesmo. “O desejo não se contenta de tomar conta do corpo inteiro, dentro e fora, sacode o homem inteiro, unindo e misturando as paixões da alma e os apetites carnais para chegar a essa volúpia, a maior de todas entre aquelas do corpo; de maneira qeu, no momento em que chega a seu ápice, toda acuidade e o que poderíamos chamar a vigilância do pensamento são quase aniquiladas.” (Foucalt apud A Cidade de Deus, livro XIV, cap.16)
O corpo e todo seu potencial foram vistos como atrapalhando a espiritualidade. As leituras eram feitas sem entonação, a comida sem gosto, o corpo tinha suas formas ocultadas, os tecidos foram tornados ásperos. Beleza era sinônimo de pecado.
A sexualidade é expressão da queda, do descontrole humano que provocou a queda. O pecado original é reinterpretado – já nào mais é visto como querer ser igual a Deus, mas em termos do descontrole sexual. Há oposição entre sexualidade e caritas.
Com isto, o homem perde o status de criatura liberta em Cristo, e passa a ser visto como mau, devasso, e isto abre a porta para a necessidade de se submeter a autoridades eclesiásticas e terrenas.
A resposta de Flória, concubina de Agostinho:
Espanta-me que teu desprezo pelo mundo dos sentidos possa derivar antes dos maniqueus e dos platônicos que do próprio Nazareno…Achas que algumas partes do corpo humano são menos dignas de Deus do que outras? Por exemplo, teu dedo médio é mais neutro que tua língua? Mas usavas também teu dedo!(Vita Brevis, 61)
…Começas a gabar-te diante de Deus de quão profundamente podes perceber agora que desprezas toda a sua obra de criação. Fazes isso graças a um “fulgor” que dizes ter visto com teu olho interior. (ibid, 75)
Todos os teólogos e platônicos reinam no fundo do labirinto. Cada homem que entra engrossa o número deles , pois é induzido a crer que tudo o que existe fora do labirinto é oba do diabo. Agora é tua vez de ser desencomainhado, e , em breve, deixas de querer sair do lbirinto. Isso acontece porque também entraste para o bando dos teólogos, agora que te tornaste um daqueles devoradores de homens nas profundezas do labirinto escuro.
Curiosamente, é dentro da igreja que a sexualidade tem novamente o seu lugar. Os místicos da Idade Média, especialmetne Tereza de Ávila e São João da Cruz compreendem que o corpo, mais do que ser castigado, é instrumento de revelação de graça, e por isso pode-se sentir no corpo o amor de Deus. Gozo místico – não a prática sexual é valorizada, mas as mesmas sensações são transpostas para a devoção.
Renascimento
Com o retorno do pensamento grego e a ênfase no racionalismo, volta-se a dicotomizar. Sexualidade é separada de espiritualidade.
O racionalismo diz que Deus está morto, e para suprir a lacuna, entra o amor romântico como fonte de felicidade. Isto leva a um perigoso movimento de idealização de uma relação, com muitas frustrações decorrentes.
A era vitoriana reprime o sexo como condição de civilização. Por baixo do pano, o erotismo continua forte, forjando duplicidades e hipocrisias.
Freud resgata o valor da sexualidade, tornando-a sinônimo de vida.
Como o racionalismo retirou a dimensão espiritual, sexualidade ficou reduzida ao corporal, e este passou a ser o principal.
A revolução industrial, o acesso aos meios de produção e a falta de sentido de vida no plano existencial tornam o consumo como o meio de busca de satisfação.
Ter em vez de ser, e isto também influencia o sexo e o amor. Estes passam a ser objetos de consumo, já nào importa a pessoa.
QUADRO L’ILLUMINATION
Como estamos longe de Cantares!
Exercício
– voltando a descobrir a sexualidade na criação – contemplar plantas, aprender com elas sobre funções e disfunções da sexualidade. Ler sobre o Jardim de Cantares e integrá-lo no arranjo.