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REFLEXÕES SOBRE SANTIDADE E SEXUALIDADE Contribuição do Bispo Dom Celso Franco de Oliveira

Artigos e Notícias

REVMO. NJONGONKULU NDUNGANE,
ARCEBISPO DA CIDADE DO CABO, ÁFRICA DO SUL
EM PORTO, PORTUGAL, EM 25 DE MARÇO DE 2000

O título desta palestra é “Santidade e Sexualidade”. Muitos, especialmente aqueles educados na tradição filosófica grega, que incluiria a maioria dos presentes aqui hoje, provavelmente sugeririam que o título deveria ter sido modificado para “Santidade ou Sexualidade”.

Muitos sugeririam que santidade e sexualidade são mutuamente exclusivos. E isso é o início do problema que nós na igreja estamos enfrentando hoje.

Durante quase toda a história da igreja, santidade tem sido associada a um escape do corpo, ou pelo menos a subjugação do corpo.

Isto é uma conclusão extraordinária dado a nossa doutrina central de encarnação. Proclamamos que Deus é carne humana. Os Cristãos dizem que a especial revelação de Deus está no ser humano Jesus.

Cristãos vão ainda mais além para afirmar que Deus também é revelado em toda a criação – em outras palavras, no mundo material, nos corpos de outros, e nós mesmos e a chamada ordem natural.

Apesar desta doutrina central de encarnação, a igreja tem tentado sugerir que podemos ser não-sexuais. Não podemos ser não-sexuais. Somos seres sexuais em função dos nossos corpos de carne (e osso). Nos relacionamos a nós mesmos, a Deus e aos outros por meio do corpo – isto é, sexualmente. Não estou sugerindo que cada interação e relacionamento envolve sexo genital. Mas todo relacionamento é sexual.
Em segundo lugar, a igreja tem colocado uma visão de santidade que, longe de ser compreendido como inteireza e integração, tem sido definido de maneira dualista e fragmentária.

Esta maneira de pensar sugere que Deus detesta o corpo e exige que escapemos dele se iremos estar relacionados a Deus. Se formos viver vidas do espirito, vamos ter que evitar (afastar-nos) do corpo.

Este entendimento (ou seja, falta do mesmo) tem resultado em algumas das mais constrangedoras conseqüências. Tem levado, por exemplo, à definição da mulher como mais sensual e portanto menos santa que o homem, justificando assim o sistema patriarcal.

Tem levado à idéia que a raça negra é mais sensual e menos santa que os brancos – uma noção que por sua vez tem sido usada para justificar a opressão colonial.

Tem levado à sugestão de que clérigos e religiosos celibatos são mais santos do que as pessoas que expressam seu amor sexualmente. Levou à condenação de pessoas homossexuais como irreligiosos.

Também levou à lamentável idéia que a nossa sexualidade fica tão longe de Deus que a expressão sexual deve ser escondida. Soube de um jovem seminarista que, com toda sinceridade, perguntou se, após a ordenação, ele deveria deixar de ter relações sexuais na noite de sábado se ele fosse presidir na Eucaristia no domingo de manhã.

Psicólogos, como também teólogos, estão nos ajudando a compreender que a não ser que recuperemos uma noção mais integrada e santa de sexualidade, certamente iremos perpetuar as injustiças, a fragmentação e as desordens psicológicas de que a igreja tem sido tão vergonhosamente a causa, em tempos passados.

Mas o que devemos fazer para conseguir isto?
Em primeiro lugar temos, obviamente, que permitir que nós mesmos, como líderes da igreja, passemos por uma mudança de paradigma na nossa abordagem à sexualidade.

A igreja tem usado a sexualidade – uma maravilhosa dádiva de Deus e uma afirmação de nossa humanidade – como motivo para vergonha, controle e marginalização.

Nossa gente tem sido ensinada a temer e ridicularizar sua sexualidade ao invés de descobrir Deus dentro de seus próprios corpos e dos corpos dos outros.

Também fomos ensinados que santidade quer dizer escapar de ou denegar os nossos corpos.

Precisamos reverter esta atitude aprendendo a celebrar e afirmar o corpo. Para alguns de nós, isto em si exigiria um re-pensamento radical de nossa própria sexualidade. Mais do que isso, exigiria um confronto e uma convivência com nós mesmos como seres sexuais.

Em segundo lugar, precisamos estender a mão a todas as pessoas, mas especialmente àquelas que a nossa igreja tem prejudicado e envergonhado, os condenando pela sua existência. Falo aqui especialmente de mulheres, pessoas homossexuais, e as pessoas física e mentalmente desafiadas.

Em terceiro lugar, precisamos procurar meios de incorporar sexualidade holística e santa no dia a dia de nossas vidas – da maneira que celebramos a Eucaristia até a maneira em que interpretamos a Bíblia.

Poderia ser, por exemplo, que nos livramos da prolixidade das liturgias que empregamos e ao invés disto permitir que símbolos materiais falem no lugar das palavras. Poderia ser introduzidos o reconhecimento litúrgico do corpo – como a celebração do início da puberdade, ou ritual de luto para doença ou ferimentos físicos.

Nesta mudança que estou pleiteando, creio que a África tem algo a nos oferecer. A igreja na África não é, entretanto, o nosso ponto de partida.

A igreja na África tem adquirido um entendimento totalmente fora do padrão africano de compreensão do corpo; uma que é muito grega e muito ocidental.

A espiritualidade africana, entretanto, não é dualista. Na África, talvez em razão da clara e sofrida experiência do nossos corpos, sabemos muito bem que o corpo está intimamente ligado à nossa espiritualidade.

O castigo de AIDS, a devastação de guerra, as conseqüências dolorosas de fome na Etiópia, e as recentes enchentes em Moçambique nos lembram que nenhum grau de santidade e integridade é remotamente possível sem ocupar-nos com as necessidades físicas imediatas e o sofrimento do corpo.

Se fossemos aprender do desafio de África, e permitir a nós mesmos a integração de sexualidade e santidade ao invés de os separar, a igreja se tornaria um poderoso agente de cura, ao invés de um agente de dor. Pararíamos de tentar gerar culpabilidade e ao invés disto ofereceríamos uma visão de inteireza.

Nosso Deus Trinitário nos ensina que as questões de santidade e sexualidade são questões de relacionamento. Deus é relacional. Não alcançamos santidade escapando de nós mesmos, de nossos corpos, de outras pessoas ou da terra.

Certamente não podemos estar inteiros, ou santos, sem estar dentro de um relacionamento – relacionamento com Deus, com nós mesmos e outros (inclusive no mundo não humano).

A maneira como nós nos relacionamos é dentro e por meio de nossos corpos. Eu não sou algo separado do meu corpo. Eu sou meu corpo. Portanto meu relacionamento é sexual. É expressado na minha ligação corpórea com outros.

Para retornar ao nosso tema: sexualidade e santidade. A questão não é se santidade e sexualidade tem relação um com o outro. Isto é uma não questão.

A pergunta é: Como eu me relaciono?

Eu me relaciono de um modo dominante ou violento?

Me relaciono de maneiras que negam ou diminuem eu mesmo ou o outro?

Ou eu me relaciono de uma maneira que traz vida melhor e inteireza?

Quando meu relacionamento dá vida, então eu sou santo.
Contribuição do Bispo Dom Celso Franco de Oliveira,
Diocese Anglicana do Rio de Janeiro

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