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PASTOR E PSICÓLOGO TRABALHANDO JUNTOS, por Dr. Adami A. R. Gabrie

Artigos e Notícias

Alguns pensam que é difícil harmonizar o trabalho do pastor e do psicólogo, que não podem trabalhar juntos. Os mais radicais chegam ao extremo ao dizer que trabalham com objetivos diametralmente opostos. Já ouvi a frase de um pastor de posição eminente: “aos psicólogos não interessa a moral, a nós pastores sim”. E também já ouvi de psicólogos destacados que “o místico só leva à patologia psíquica”.

É minha opinião que os objetivos são distintos, mas não opostos. Como o objetivo de um físico, um médico, um engenheiro ou outro profissional qualquer pode ser distinto daquele do pastor, sem, contudo, ser o seu oposto.

Talvez o motivo maior para tal animosidade é que a função de cada um é desconhecida para o outro. Portanto, qual é a área de ação de cada um destes profissionais [i]?

Na minha forma de ver as coisas parece que há uma maior dificuldade de os pastores aceitarem o trabalho do psicólogo do que o contrário. Tenho encontrado maior resistência em convencer aos pastores de encaminharem os assuntos psicológicos aos psicólogos, do que de convencer os psicólogos de encaminharem os assuntos pastorais para os pastores. Não deveria ser assim, uma vez que todos os seres humanos necessitam de ambos os serviços e Deus “deu uns para… apóstolos,… depois dons de curar,… Porventura são todos apóstolos? …são todos doutores?” (I Cor. 12:28,29. Os pastores não têm por que temer os psicólogos por vários motivos:

Primeiro, os psicólogos como membros de uma igreja local, necessitam, como qualquer pessoa, dos cuidados pastorais para o seu crescimento espiritual.

Segundo, por que os psicólogos não estão tentando tomar o lugar do pastor, ao contrário, precisam que os pastores ocupem o seu lugar diante dos membros e desempenhem bem a sua função, por que eles não têm condições (alguns talvez tenham), nem o preparo para tanto.

Observando as críticas de ambos os lados noto que há um desconhecimento mútuo sobre o que cada um faz, ou deveria fazer. Vejo que o grande motivo pelo qual pastores tendem a discriminar os psicólogos e vice-versa, é quanto ao papel e função de cada um deles, pastor e psicólogo.

Retornemos, assim, à pergunta inicial: qual a tarefa do pastor e qual a tarefa do psicólogo?

Ao pastor cabe trabalhar com o ser humano caído, desligado do Criador que vive num estado de pecado e reconduzi-lo, religá-lo com Cristo que é a fonte de toda felicidade e completude para este ser humano. É daí, desta função, que vem a raiz latina da palavra religião, religare. [ii]

O pastor, podemos dizer que atua num plano vertical, sua maior tarefa é apresentar a Cristo e este crucificado em lugar do pecador [iii]. Deve reconciliar e unir o pecador com Deus. O pastor é o embaixador, “homem de Deus”, ministro do mistério de Cristo à raça caída. Leva o pecador a reconhecer sua necessidade de Cristo e torná-lo também um ministro [iv]. Formar e aperfeiçoar o corpo de Cristo, organizar e mobilizar capacidades na igreja, e também criar e amadurecer os relacionamentos [v], são alguns dos objetivos do pastor.

Para alcançar este objetivo o pastor passa quatro anos numa Faculdade de Teologia, é treinado através de matérias como: Investigação e Exegese Bíblica, História da Igreja, Homilética e Oratória, Teologia do Antigo e Novo Testamentos, Línguas Bíblicas (Hebraico e Grego), Administração Eclesiástica, Evangelismo (Pessoal e Público), Teologia Sistemática, Arqueologia, Aconselhamento Pastoral, História da Filosofia, Ciência e Religião. Estas são as principais matérias que contém ainda as suas sub divisões. [Isto nas denominações onde se exige um curso superior de bacharelado em teologia para o pastor, algumas não exigem nenhum curso, pois crêem que a formação acadêmica não é indispensável à função].

Ao assumir uma igreja o ministro utiliza-se de métodos tais como: Estudos Bíblicos, Conferências Públicas, Classes Batismais, Pregações, Grupos de Oração, Grupos familiares, Visita aos lares de crentes e interessados, administra as comissões e departamentos da Igreja, e outros, onde pode aplicar os conhecimentos recebidos para obter os fins desejados.

Ao psicólogo por sua vez, cabe desempenhar seu trabalho com o ser humano que sofre de conflitos mentais, depressão, crises existenciais, problemas de relacionamento interpessoal, como: sexo (e suas formas normais e patológicas), casamento, filhos, velhice, drogas, culpa, inferioridade e auto-estima comprometida, melancolia, tentativas de suicídio, neuroses em geral, ansiedade, fobia, obsessão, psicoses, perversões de conduta, entre outros. [vi]

Podemos afirmar que o psicólogo atua num plano horizontal, no relacionamento pessoa a pessoa, pessoa a grupo de pessoa. Sua tarefa maior é levar o indivíduo à auto-atualização, auto-conhecimento, reconhecer e aceitar sua realidade e renunciar à fantasia, enfim, trabalhar em prol do amadurecimento psíquico do seu cliente.

Para alcançar seu objetivo profissional, o psicólogo passa por uma Faculdade de Psicologia que tem a duração de cinco anos, onde recebe formação através de matérias como: Antropologia, Biologia, Fisiologia, Psicologia do Desenvolvimento, Teorias e Sistemas Psicológicos, Psicologia da Personalidade, Psicologia Geral e Experimental, Psicologia Social, Técnicas do Exame e Aconselhamento Psicológico, Psicologia Escolar e Problemas de Aprendizagem [Psicopedagogia], Teorias e Técnicas Psicoterápicas, Psicologia do Excepcional, Psicopatologia Geral e Especial, Psicologia Organizacional [Recursos Humanos] e no quinto ano faz a especialização em clínica cumprindo cerca de 1200 horas de atendimento a pacientes com a supervisão de professores. Estas são as principais matérias do curso que, por sua vez também têm suas sub-divisões.

É ainda necessário para a formação daquele que irá ter vida clínica passar ele próprio por um processo terapêutico, senão, mesmo com toda a informação psicológica recebida não será capaz de separar o que é emocionalmente do outro e quais são as suas próprias emoções.

Pela falta da própria terapia e supervisão no início da vida profissional é que muitos psicólogos cometem verdadeiras aberrações, entre as quais manter relações sexuais com seus clientes; sendo esta a principal critica, justa, diga-se de passagem, que a comunidade cristã tem para com a psicoterapia, contudo, é bom que se diga, esta prática que não é recomendada em nenhum dos modelos psicoterápicos.

Ao iniciar o trabalho profissional, após a conclusão de seu curso, o psicólogo utilizará de modo geral duas atividades básicas em seu consultório, em clínicas e em instituições (como escolas, hospitais, creches, etc…), que são: psicodiagnóstico, que é um conjunto de atividades visando descrever a condição psicológica do indivíduo que o procura, através de testes, entrevistas e etc; psicoterapia, que é o conjunto métodos e técnicas aplicadas pelo psicólogo com o objetivo de resolver o problema detectado no psicodiagnóstico ou trazido diretamente pelo cliente. Existe diversas formas de psicoterapia. [vii]

Notamos assim, que os campos, a formação, as atividades e a atuação são distintos, mas não opostos. Contudo, há um elemento comum que os une e que deve ser o lugar do diálogo entre a Teologia e a Psicologia, é a visão de homem, a antropologia, já que ambos, pastor e psicólogo, têm sua atenção voltada e dedicada para o ser humano.

O psiquiatra cristão brasileiro, Uriel Heckert, apresentou o trabalho Psiquiatria e Cristianismo, no IX Congresso Mundial de Psiquiatria (1993), no qual cita um outro psicólogo e pastor, o Dr. J. H. Ellens, que diz:

“‘Vejo a teologia e a psicologia como perspectivas ou pontos de referência diferentes, com diferentes universos de discurso, lidando com o mesmo assunto. Interagem em quatro níveis na busca pela verdade a respeito de seu objetivo: no nível teórico de suposições, conceitos e definição de teoria, no de pesquisa metodológica, no de banco de dados (que dados procurar, como procurar e como aparecem) e no nível de experiência clínica.’ Para concluir: ‘Seu tema comum é a condição humana. Interseccionam-se, por isso, na antropologia que funciona ou se forma em todos os níveis de intersecção acima citados.’”

E Heckert conclui seu trabalho afirmando que:

“‘Paul Tillich considera que é a religião que provê o arcabouço para o desenvolvimento da cultura e, conseqüentemente, da ciência. O resgate da Antropologia Bíblica, de ênfase mais globalizante e integradora, poderá fecundar positivamente a visão grega que tem dominado no nosso modelo de ciência. Esta será assim enriquecida e avançaremos provocados pelos desafios do tempo presente’” [viii]

Não há necessidade de se combater um ao outro, se ambos estiverem séria e dedicadamente desenvolvendo a tarefa que lhe cabe.

Se o pastor que recebe apenas duas horas crédito durante a faculdade no campo de aconselhamento se atrever a clinicar e atuar no campo psicológico estará fora do trabalho para o qual foi chamado, enganando aquele que o procura (uma vez que promete uma solução que não tem, ou seja, o tratamento psicoterápico), sendo um mercenário não merecendo ser sustentado pelo evangelho (“…os que pregam o evangelho, que vivam do evangelho” I Cor. 9:14; está fazendo outra coisa que não pregar o evangelho) e estará fugindo da sua sagrada função. A menos que também tenha recebido um preparo e formação na área de aconselhamento, além das oferecidas no currículo da faculdade de teologia, e são raros os que têm tido este cuidado. A conseqüência desta atitude imprópria tem saltado à vista nos freqüentes casos de adultério de pastores com membros de seu rebanho e o descuido do pastor com sua própria família e vida emocional pessoal.

Por outro lado o psicólogo que ao receber o cliente com uma queixa de ordem psicológica e for dar-lhe estudo bíblico, e ainda cobrando em média US$ 40,00 a US$ 60,00 por sessão, é passível de ter sua carteira de registro profissional cancelada, bastando uma denúncia formal ao Conselho Regional de Psicologia. Se a queixa do cliente, é religiosa sem implicações patológicas do ponto de vista psíquico, e o psicólogo vai atendê-lo, no consultório, e cobrando consulta, estaria do mesmo modo infligindo a ética profissional (o evangelho é de graça), possivelmente não estaria sujeito a pena máxima pelo CRP, mas seria no mínimo um mal profissional se não encaminhar a pessoa a um líder religioso competente.

O trabalho do pastor deve ser bem realizado por que têm conseqüências para esta vida e para a futura, para a eternidade. Uma outra razão, é que o pastor é o primeiro a ser procurado, antes mesmo de alguém ir ao psicólogo vai ao pastor, e se este tem reservas ao trabalho do psicólogo como poderá ajudar a seu irmão que sofre? Quando alguém o procura com enfermidades físicas não é certo que o envie ao médico? O Dr. Jorge A. León, experimentado professor de Psicologia Pastoral, indica que é tarefa do pastor receber estes casos e este, o pastor, quando percebe que se trata de um transtorno grave da personalidade e que escapa a suas possibilidades, deve encaminhar ao psicólogo. [ix]

Igualmente, o trabalho do psicólogo deve ser realizado com esmero e dedicação por que as conseqüências são para toda a existência física de um indivíduo. Tanto um pastor quanto um psicólogo podem fazer um grande bem a alguém quanto um grande mal, depende de como cada um vai desempenhar o seu papel.

Finalizando, numa igreja local em que exista um psicólogo, ambos podem tirar grande proveito do trabalho conjunto. O trabalho de um sendo completado pelo do outro. Quando o pastor notar que um irmão apresenta dificuldade de ter uma religião viva e recriadora por causa de traumas psíquicos encaminhá-lo-á para o psicólogo e, por sua vez, o psicólogo ao notar que um cliente em seu processo de busca interior almeja pelo sagrado, também o enviará ao pastor.

A própria vida espiritual do psicólogo será grandemente enriquecida pelo convívio com o seu pastor e, por seu turno, o pastor poderá ter no psicólogo de sua igreja alguém para ser mais que um amigo, um confidente e ajudador. Desta forma ambos estarão cumprindo o desejo de Deus na distribuição dos dons à igreja. Uma igreja assim será uma verdadeira comunidade terapêutica, como tão bem a descreveu o psiquiatra Dr. Zandrino em seu livro Curar Também é Tarefa da Igreja. [x]

NOTAS:

Talvez alguns não gostem de usar o termo profissional para os pastores, por que parece dar um tom de que o pastor profissional é um mercenário, e o que faz é por algo em troca, ou seja, a remuneração, e não por vocação. Não é este o sentido da palavra “profissional” que quero usar aqui; realmente reconheço que o trabalho do pastor é uma vocação antes que uma profissão, contudo, em nosso caso, ASD, a vocação é também um modo de se ganhar a vida (“os que pregam o evangelho, que vivam do evangelho”), e por isso, neste sentido, quanto mais sério, dedicado, enfim, “profissional” for o vocacionado, melhor se desincumbirá de sua vocação.

[ii]Abbagnano, N. Dicionário de Filosofia. SP, Mestre Jou, 1982,
p. 814.

[iii]”Sermão algum deve ser feito, …sem apresentar a Cristo, e Cristo crucificado como fundamento do evangelho…” Ver: White, E.G., Testemunhos Seletos, Tatui, C.P.B., p. 524, 525.

[iv]”Essa nova ordem – o sacerdócio de todos os crentes – … significa que cada membro da Igreja possui a responsabilidade de ministrar a outros em nome de Deus…” Nisto Cremos, 27 Ensinos Bíblicos dos Adv. do 7º Dia, Tatuí, C.P.B., 1990, p. 201.

[v]Barrientos, A. Trabalho Pastoral: Princípios e Alternativas,
Campinas, Ed. Cristã Unida, 1991, págs. 19-30.

[vi]Anacona-Lopez, M. & Figueiredo, L.C.M. Guia Psi, SP, Marco
Zero, 1990. Contém uma excelente descrição da atuação do
psicólogo.

[vii]Psicologia Geral. Apostila da Universidade Paulista – UNIP,
págs. 14-16. Nos referimos ao psicólogo clínico.

[viii]PSICOTEOLOGIA. Boletim do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras
Cristãos, ano VII, nº 16. Os que desejarem receber esta
publicação podem solicitar pelo fone (11) 246-8959.

[ix]León, Jorge A. Psicologia Pastoral Para Todos Los Cristianos.
Miami, Editorial Caribe, 1986, p. 68.

[x]Zandrino,R.A. Curar Também é tarefa da Igreja. SP, CPPC, 1986.

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Dr. Adami A. R. Gabriel Pastor e Psicólogo, Mestrado em Práticas Clínicas PUC-SP, Professor na Universidade Paulista – UNIP

 

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