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OUVIR A PALAVRA E DESCOBRIR A ALMA, por Carlos Hernández

Artigos e Notícias

A intimidade com a Palavra afeta nossa própria intimidade e nossa relação com o outro. A alma procura a relação, a integridade. É um centro integrador que nos salva da capacidade dissociativa do ego. É aquilo em nós que deseja Deus (como o girassol). As traduções da Bíblia foram usando outras palavras para a alma (de 600 para 200 citações). Ela emerge no silêncio, na solidão, na devoção. A Palavra incide sobre a obscuridade da dissociação, dissipa meus delírios e fantasmas. O ego ganha força para enxergar sua sombra.
Jer 31:7-9. Temos um pai que nos deseja. Deus é inclusivo, para ele não há rótulos discriminadores. Ele acolhe o aleijado e o recém nascido. O senhor pavimenta o caminho para que a gente não tropece. Um paciente se emocionou quando pela primeira vez conseguiu receber um abraço: ele descobriu sua alma. Descobrimos isto corporalmente através de uma sensação interna de integração. Lembra a metáfora do nascimento (Otto Rank): momento de maior vulnerabilidade.
Dt 11:8-17. Da civilização imóvel (pirâmides: ocultar a morte atrás de uma máscara), binária (informática), onde posso controlar a terra através do olhar, para a civilização trinitária, uma peregrinação onde o olhar de Deus me cuida e controla a terra. Quando estou imerso no olhar amoroso de Deus, posso ouvir cuidadosamente e descobrir minhas torpezas com Deus, com o outro.  Que palavras se repetem? “Guardai” que o ego não perturbe a alma, não se infla.
Caminhar, assim como o amor, mobiliza os músculos. O Homem vai se atrofiando. Descobrir seu ritmo. A gente precisa do outro que nos orienta, que nos encoraja. A Ciência nasce de conceitos abstratos (gregos), racionais. O cérebro capta uma pequena parte da realidade (Bateson). Mas está conectado com outros cérebros. O processo de integração intrapsíquica e interpessoal requer abrir frestas, construir pontes, me abrir para um acolhimento que me desarma, que afeta minha biologia
Obediência tem a ver com ouvir: no Egito era autoritária, na Terra Prometida, a ternura de Deus me leva a obedecer por amor. Descubro meus infernos antes dos infernos de Deus. Somos relacionais e quando perdemos a relação, ficamos no inferno. As palavras duras são nossas.

 

O outro é menos cruel que eu mesma. Existe uma leitura masoquista da obediência que é diferente da obediência redentora. O masoquismo é uma forma de manter certo poder. A obediência reorganiza em mim um desfrute. Mas o gozo tem uma dimensão de dor. A realidade é dura e o fracasso é um instrumento necessário para crescer e ser humilde. Deus é outro, multifacetado. A realidade me confronta, pois facilmente me deixo enganar pela minha imaginação.
A alma inibe nossa tendência ao isolamento. Duas pessoas caminham mais longe. O outro desperta mecanismos desconhecidos (na cabine do avião, um só não daria conta). A confiança otimiza as capacidades. Jean Vanier: vela que circula com oração. Os recursos compensam as deficiências e geram uma harmonia surpreendente. A alma precisa se conectar com algo fora de si. Ao me entregar, eu sou mais eu. Exemplo da psicóloga da Febem que fez contatos com internas através de receitas culinárias e da orquestra na favela. Existe uma cognição grupal.
A alma se revela na escuta da Palavra. Heb 4:12. A palavra é viva (mais que um vírus), age em mim. O E.S. fala ao meu espírito. Esta abertura me torna mais receptivo ao outro. Passamos muito tempo no Egito. Somos marcados por estes comportamentos defensivos, paranóicos. Buscamos o controle. Quanta desconfiança, prevenção, preocupação! Como se preparar para ouvir, ser vigilante, desperto, estar alerta para descobrir algo novo, para surpreender-me?
Deus escolheu Davi pela sensibilidade que desenvolveu ajudando ovelhas a parir. Eu preciso reconhecer meus limites, passar de um espaço de ação para um espaço de escuta, de quietude, de espera. É mais fácil amar do que ser amado. Saber receber implica em confiar, perceber a infinitude do Amor, reconhecer a delicadeza da ação de Deus entre nós: “Bendize , oh minha alma, ao Senhor.!”. Como a criança recém nascida na barriga da mãe, em sintonia com o batimento cardíaco dela. À medida que bendizemos, vamos discernindo o invisível e o inaudível.
A Palavra assopra para que a alma apareça. A alma é como um animal selvagem. Em Deus, não há retaliação, mas reparação, o desfrute de ser perdoado. O mal não tem a última palavra. A vida é maior. Precisamos de silêncio para perceber isto. Precisamos enfrentar obstáculos para preservar este espaço e deixar fluir visitações inesperadas de Deus (como o orvalho que a Pelusia enxergou e lhe falou do cuidado de Deus no meio da crise).
Obediência não é uma adesão esclarecida a uma autoridade, mas a escuta cuidadosa e uma resposta honesta numa conversa entre pessoas livres. Passa-se do conceito para a experiência: um encontro de almas, mais honesto e transparente. Na Queda, Ele nos sustenta, nos salva continuamente de nossos abismos. Servimos a um Deus que ressuscita os mortos. Só posso entender uma realidade, se me aproximo sem preconceito. Vamos conhecendo Deus e o outro na medida em que se revelam.
Piaget: pensamento reversível, construir e desconstruir de um lado e do outro (jogar no triângulo ou no círculo). Sou livre porque Deus me liberta. Lc 1:27. Sua Presença me assusta. Caio do cavalo. Tenho medo de ser invadida.
Paralelo entre sexualidade e devoção. Requer honestidade, incluir as mulheres. Gera fascinação e pânico, êxtase, deleite orgâsmico. Estar com Deus na presença daquilo que nos angustia. Progredir na integração dos medos que o sagrado nos desperta. Inácio de Loyola teve um mês de delírios antes de se converter.
Tem rituais que evocam Deus. Soltar o corpo. Liturgia. Respiração. Fazer do espaço de devoção o centro de nossa vida.
Ez 37: 1-17. Até então, eram só conquistas. No meio do desencanto, sabeis que sou Deus. Tomada de consciência brutal da realidade. Quando o povo começa a se iludir, o E.S. saí do templo. “Vocês me conhecem no triunfo, quero que me conheçam na derrota”.
Biologia da ressurreição: outra relação com Deus. Mais confiança. Confio que Tu o sabes. Trata-se de reconstruir a partir de uma derrota total: a morte. A alma registra estas experiências e supera a memória geográfica. Podemos encarar a morte com a esperança da vida. A vivência da morte não consegue apagar a convicção da vida.
A alma foi feita para falar com Deus. O Senhor me salva da minha onipotência, das minhas ilusões, da inflação do ego. Exercício do Bürki: como imagina a sua morte? Insight para seu melhor amigo morrendo de câncer: a morte é como o amor: te perde e te reencontra no colo de Deus.
Lacan: o discurso que não contempla a morte é um discurso imaginário.
Deus se revela como quer, onde quer…como o outro se revela para mim. O milagre é uma descontinuidade: o vale de ossos secos. Deixar o outro livre de se revelar como ele quer.
Se o ego não está vinculado à alma, ele se dissocia. A cura é a devoção: um espaço intermediário para brincar.

Oração                                                           Lugar da visitação da Graça. Tempo. Atenção.

Alma                                                              Imagens da relação trinitária: Sto Agostinho

Devoção: leitura aonde Deus vai se revelando progressivamente e infinitamente (Emaús).
O ego não sabe, mas a alma sabe
Ego                                                                  Vigília

Abismo                                                           Heidegger: ser para a morte.

2 devoções:
– centrada na letra: relação binária: eu e a Bíblia.
– centrada excentricamente: relação trinitária. Deus me surpreende.
Criar um espaço para a alma que permite deixar o exílio do medo.
1. Os limites são claros: sem intimidade não há devoção. A intimidade é uma proximidade que guarda a distância e preserva a diferença. É a construção de um espaço sagrado.
2. Há uma tradição, uma relação amorosa (o judeu beija a Tora), um líder habilitado, uma reverência. Não um fetiche.
3. É um convite aberto: um começo de uma tarefa com um final aberto.
4. Um chão comum. : somos todos iguais e diferentes (alguns no inverno, outros na primavera), solidários: familiaridade e confiança.
5. Um ambiente agradável: bonito, confortável, silencioso. Uma melodia. Desmedida do perdão, do mistério do outro.

Levinas: O outro é um rosto emprestado que usa Deus.
É somente na escuta da Palavra que posso superar minha dissociação.
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Carlos Hérnandez

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