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OS DESAFIOS DE SER PSICÓLOGO CRISTÃO HOJE, por Karl Kepler

Artigos e Notícias

Esse tema, embora não seja monopólio do CPPC, tem acompanhado passo a passo todas as etapas da nossa história. Nesta etapa presente, em plena pós-modernidade de início de milênio, gostaria de destacar três dilemas, entre tantos avanços e retrocessos: a já clássica tensão entre ciência e fé, a tensão entre dedicação à interioridade ou à sociedade, e a mais recente tensão com o patrulhamento, representado grosso modo pelo medo dos CRPs, CFP e (para os psiquiatras) CRMs. Interessantemente, as três tensões se relacionam.


I – Ciência Psi e Fé

O clima pós-moderno aos poucos vai diminuindo essa tensão. Mas cabe lembrar que, em outra era, a psicologia enfrentou muitos preconceitos e resistências, porque almejava alcançar status de ciência. E essa conquista não se deveu aos gênios da investigação da alma, como Freud e Jung, mas antes aos freqüentemente desprezados behavioristas com seus ratinhos de laboratório e estatísticas. Será que estaria nessa dificuldade em sermos aceitos nos meios científicos uma raiz de certa aparente obsessão com o “cientificismo”, ainda fortemente presente em alguns grupos em nossa profissão?
Seja como for, nossa profissão é científica e merece todo um cuidado e carinho por uma boa formação e atualização. Sem precisarmos entrar na corrida mercadológica e midiática como, por exemplo, faz a indústria farmacêutica, podemos cultivar a linha teórica com que mais nos afinamos, conhecer bem o uso das técnicas psicoterápicas de que ela dispõe, mas sem abrir mão da liberdade de ir adquirindo sabedoria com as experiências de que temos o privilégio de participar, tanto na clínica quanto na educação, na saúde pública ou atuação organizacional. É uma conjunção de saberes com sabedoria, de informações teóricas com maturidade pessoal, num ambiente profissional que, embora necessariamente imperfeito, efetivamente serve ao bem estar e saúde mental de indivíduos e de uma população.
A fé, nesse particular, pode servir à sabedoria, e pode estabelecer uma base de tranqüilidade (a Bíblia chamaria de “paz”) que transcenda sistemas lógicos e motivações externas, e que ajude grandemente a nos libertar de muitas tensões, para podermos melhor desempenhar nosso trabalho profissional. Por favor reparem bem nos condicionantes (“pode”), porque a fé em Deus pode também se tornar um elemento enrijecedor, fazendo de nós profissionais metódicos, com mais medo de errar do que disposição para ajudar, ou com um eterno sentimento de dívida, de insuficiência. Isso depende muito da nossa imagem internalizada de Deus, coisa que a psicologia poderia ajudar a esclarecer (novamente um condicionante). Isso se pelo menos essa fé tiver o direito à dignidade de uma existência de per si reconhecido no processo psicoterápico, algo que muitos profissionais não serão capazes de seriamente conceder.
Mas é origem e destino do CPPC – e de todo psicólogo que creia em Cristo – labutar nesta interface, agüentar a tensão e as críticas que virão de ambos os lados, para seguir construindo humilde e criativamente, sem abrir mão nem da ciência, nem da fé. E com a sabedoria que vamos adquirindo pela ajuda de Deus, vamos aprendendo a não nos curvar aos medos, nem dos que querem banir a fé para fora da ciência, nem dos que querem expulsar a ciência da fé.

II – A Interioridade e a Sociedade

Para nós que cremos num Deus Criador é por vezes mais simples descrever a realidade utilizando estes termos: Deus deve gostar da complexidade infinita. Criou os princípios de realidades paralelas que só agora a física quântica começa a desvendar; estabeleceu uma ordem na desordem (como a teoria do caos descobriu); e fez as coisas e as pessoas com complexidades crescentes e, até onde percebemos, sem fim. Por isso, tanto se formos elevando nossa visão até as mais longínquas galáxias, quanto se a formos aprofundando microscopicamente até as menores partículas subatômicas (ou então psiquicamente às mais profundas pulsões inconscientes), o campo de pesquisa e trabalho será sempre inesgotável, cheio de beleza e, deveria acrescentar, totalmente “inabarcável” no período de nossa vida. Com isso quero dizer que aquele estado em que conheceremos plenamente nossa área de estudo não será atingido nesta nossa vida. Podemos dedicar a vida inteira a um ramo do conhecimento sem nunca esgotá-lo. Novamente será uma questão de sabedoria construir uma ética profissional que decida entre uma dedicação às profundezas clínicas de uns poucos indivíduos socialmente privilegiados, ou uma atuação comunitária que, num nível certamente menos profundo, servirá a um número muito maior de pessoas e situações.
A ciência não nos auxiliará nessa escolha – ela é fruto da mesma sociedade que mantém essas desigualdades sócio-econômicas gritantes. Deveres morais também têm falhado em nos levar a qualquer lugar com integridade. Nossas aptidões e interesses individuais são moldados pelo ambiente onde nos criamos, diferem muito entre si, mas também não merecem ser ignorados ou “atropelados”. A fé em Deus poderia nos conscientizar da existência dos excluídos de nossas sociedades, mas temos que reconhecer que em 95% dos casos isso não tem acontecido. Os profissionais cristãos, via de regra, estão muito pouco engajados socialmente e, como já vimos, as profundezas da contemplação psicológica intra-individual proverão “distração” suficiente para toda a vida. Fomos criados em meio ao medo dos movimentos políticos e sociais; aos poucos isso está mudando, mas ainda é algo reservado “aos poucos”. O CFP faz muito bem em liderar movimentos que visem incluir a maioria pobre da nossa população nos serviços de psicologia.
Mas abandonar a psiquê para tornar-se militante político no Brasil de hoje não é solução: parece mais uma grande insensatez e alienação, além de parecer negação da nossa vocação. Há, claro, outros caminhos já sendo trilhados, inclusive por alguns dentre nós, como o da atuação na saúde pública, como também houve a criação do banco de serviços voluntários de psicologia, pelo CFP. Vale investir na divulgação e discussão dessas experiências. Esse desafio vai continuar nos confrontando, possivelmente cada vez mais à medida que a concentração de renda só faz aumentar em nosso meio. Há espaço para mais sabedoria nessas escolhas, e novamente aquela paz interior poderia ser muito útil aqui.

III – O Medo do Patrulhamento

Salvo exceções em algumas regiões do Brasil, ser psicólogo e cristão confesso virou razão para temor. Por exemplo: ao decidir o que escrever aqui, ficou impossível não lembrar de “o que o CRP vai pensar disso” ou “o que o CFP acharia daquilo”. O relacionamento entre o CPPC e os conselhos profissionais tem sido marcado por preconceito e desconfiança, e isso de ambos os lados. Permitam-me exagerar nos contornos e contrastes, para ilustrar a situação: os CRPs e o CFP desconfiam que estejamos utilizando o título e a prática profissional de psicólogos como meio de fazer proselitismo, pregar curas charlatãs e propagar uma visão de mundo evangélica, retrógrada intelectualmente e ultraconservadora socialmente, visando por exemplo converter homossexuais a abandonar o homossexualismo, submeter a prática profissional à fé e levar o Brasil a conservar tradição, família e fé (possivelmente também propriedade).
Já entre nós do CPPC há muitos que estão convencidos de que o CRP/CFP se aliou ao movimento gay, ao PT e a grupos revolucionários, que abomina a psicologia clínica e que o novo Código de Ética (com ênfase na submissão às resoluções do próprio CFP) faz parte de uma estratégia para cassar o registro profissional de todos os psicólogos que ousem admitir publicamente que acreditam em Deus, numa perfeita reedição do terrorismo stalinista.
É claro que não é assim, em ambos os lados, mas podemos afirmar que não tem absolutamente nada a ver? A desconfiança é grande, e o temor de quem não está investido da autoridade formal é conseqüência. Dito isso, temos de admitir que a tarefa do Conselho Federal em tentar “manter pura” a psicologia é bastante ingrata e cada vez mais complexa. A frustração com os resultados de nosso trabalho, não obstante os vários sucessos, nos impele a investir em conhecer outras áreas, outros atores do processo da saúde mental. A frustração com os resultados econômicos também tem sido outro fator a impulsionar “aventuras” terapêuticas.

 

Com a desilusão com a racionalidade, abriu-se grande porta para várias correntes de misticismo e esoterismo. Paralelamente, a busca por uma intervenção social é fruto da percepção da necessidade de uma maior importância desses fatores, assim como a intervenção medicamentosa e outras práticas mais “orgânicas” (como por exemplo a liberação da acupuntura para psicólogos – a meu ver um equívoco, mesmo a prática sendo eficaz). Como se vê, disciplinar a prática de uma profissão relativamente recente e extremamente subjetiva não é tarefa fácil. Nesse emaranhado de influências, acredito firmemente que os cristãos, se forem bons profissionais, peritos em suas técnicas, sábios em sua prática e maduros em sua cosmovisão, serão excelentes psicólogos, dignificando muito sua profissão.

 

Mas, infelizmente, serão também vítimas de preconceitos, como agora me parece que já ocorre, por parte de alguns dentre nossos órgãos reguladores. Temos sido chamados a dar explicações sobre nossos eventos e congressos; alguns colegas aparentemente foram preteridos em seleções de trabalhos para apresentação. É também verdade que um ou outro psicólogo cristão possa ter feito exatamente o que os Conselhos reprovam: utilizar o posto de psicólogo para pregar convicções de fé. Mas meu desejo é que um maior conhecimento de ambas as partes possa dirimir preconceitos, e que os profissionais cristãos, e em especial os membros do CPPC, sejam reconhecidos como excelentes profissionais, éticos, científicos e competentes. E que os Conselhos de nossa profissão fiquem abertos à legítima presença da fé voluntária como elemento participante também da saúde mental, e constituinte da pessoa humana. E isso terá sido uma grande bênção de Deus. Porém, caso essa aproximação não venha a ocorrer, que soframos por fazer o bem, e não o mal.
Para dar um exemplo de como essa convivência entre a ciência e a fé pode se dar na prática: ao acompanhar uma pessoa crente que tenha procurado meu auxílio, quer como pastor, quer como psicólogo, quer – como muitas vezes acontece – como uma mistura de ambos, procuro tentar vislumbrar dois fatores influentes em sua vida, além daqueles por ele relatados: 1) as obras do inconsciente, que muitos desprezam, outros tantos ignoram, mas que estou pessoalmente convencido de que existe, e (2) as obras de Deus, que muitos ignoram, outros tanto desprezam, mas eu – e meu paciente também – estou pessoalmente convencido de que existe. Para não suscitar um “juízo final”, falo um exemplo de minha outra profissão: sou editor de uma revista, já há 19 anos. E nessa função foram muitas e muitas vezes que percebi claramente a ajuda de Deus para o meu trabalho (e a revista não é cristã; é, com dizemos, “secular”). Quem não acredita em Deus seria obrigado a repetir,  várias vezes, “puxa, mas que sorte!” Como ainda não é proibido crer em Deus no exercício do jornalismo, essa manutenção da integridade pessoal não é tão tensa. Já na Psicologia, o medo da fé parece ter levado os Conselhos Profissionais a criar um ambiente inspirador de medo entre os cristãos também, como se estivéssemos em plena guerra fria.
Não é meu papel defender nem atacar, mas sim insistir na busca da verdade. A verdade é o único caminho de libertação, e se oferece como um ótimo “norte” em meio a tantas tensões.  Não somos donos dela, é claro, e tampouco outros o serão. E para quem, como Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos, já atravessou três décadas de buscas, acertos e também erros, de uma coisa podemos estar certos: com ciência, com fé, com um aprofundamento social e com um aprofundamento na psiquê, vamos seguindo em frente, enquanto Deus assim o quiser.
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Karl Kepler
Psicólogo e Pastor,

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