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OLHANDO PARA O FUTURO, por Uriel Heckert

Artigos e Notícias
Até quando uma instituição consegue nutrir-se da utopia que lhe deu origem?  Os entendidos em organizações advertem que, com o passar do tempo, tende-se a deixar de lado o entusiasmo e o voluntarismo que se vêem no surgimento dos empreendimentos humanos e que os sustentam nos anos iniciais de vida.  Partidos políticos, associações culturais, grupos religiosos dificilmente escapam do determinismo que os leva a um progressivo enrijecimento.  Com o passar do tempo, os registros e documentos avolumam-se e os contatos pessoais tendem a minguar; as assembléias e reuniões formais tomam o lugar dos encontros espontâneos; as normas e regimentos impõem-se como referência.  Haveria como escapar desse aprisionamento?O sociólogo Peter Berger analisa em profundidade a questão da burocracia, vendo-a como filha bastarda da Modernidade.  Os tempos ditos modernos, que avançam desde o Renascimento, têm nos legado uma sociedade organizada, dominada pela noção de competência e ordem.  Os procedimentos, expressos em regras e métodos, tendem a estabelecer-se, desviando o foco das pessoas.  A alienação, que é percebida como resultante de processos produtivos rotineiros e mecanizados, transpõe-se para a vida das sociedades e organizações (1).

Até quando o Corpo poderá resistir?  O propósito que nos mantém unidos está expresso no nome que nos aglutina: Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos.  Não queremos uma corporação, uma associação de direitos e deveres, uma instituição fria.  Nossa visão é derivada do Evangelho de Jesus Cristo, que propõe o desafio de construirmos um organismo vivo, dinâmico, interagindo com harmonia e reciprocidade.  Como se lê: “Vocês são o corpo de Cristo, e cada um é uma parte desse corpo” (2).

Recentemente, uma atitude habitual proporcionou-me a uma experiência inesperada. Tenho em mim um grande ímpeto no sentido de socializar as informações.  Sempre penso em alguém que pode se beneficiar com algo interessante que me vem às mãos.  Assim, ao ser informado de novos associados que chegam ao nosso Corpo, além de manifestar meu acolhimento pessoal, tenho o costume de encaminhar os dados às pessoas geograficamente mais próximas.  Desta vez, alguém não entendeu minha intenção e manifestou seu desagrado; afinal, que tinha ele com o novato que buscava filiação?  Eu tratei logo de responder em tom amistoso, expondo nossa disposição de cultivar vínculos de amizade e comunhão.  Mas registrei o fato com preocupação: após 30 anos de caminhada, lidando com pessoas espalhadas por todo este vasto país e até no exterior, poderemos encontrar dificuldades em envolver a todos nesta disposição de fraternidade.

Os movimentos humanos surgem em resposta às necessidades de um momento histórico específico.  Assim, é justo perguntar até quando a proposta do CPPC se manterá  pertinente.  O grupo não tem obrigação de perenizar-se, pois ele só se justifica na medida que puder contribuir para propósitos claros.  Outros espaços têm igual ou até maior potencial para articular os saberes do campo psi com as perspectivas antropológicas cristãs.

Penso particularmente nas Universidades, lugares privilegiados para tal diálogo interdisciplinar, desde que se desfaçam dos preconceitos para com a religião que a tal da Modernidade lhes impôs.  Que bom será vê-las assim resgatarem sua verdadeira vocação, tomando a dianteira na discussão das questões teóricas que nos preocupam (3).  As diversas instituições confessionais cristãs de ensino superior poderão contribuir muito tendo seus Departamentos de Psicologia e ciências afins abertos para o estudo e pesquisa de tantas interações possíveis com a religião.

Nossa articulação com a “academia” tem evoluído.  Constatamos entre nós um número cada vez maior de mestres e doutores, pessoas que dão sua contribuição destacada no campo científico e trazem para o nosso meio aportes atualizados da cultura universitária.  Até o próprio CPPC, em uma de suas facetas, já foi objeto de estudo acadêmico (4).  Parcerias pontuais com algumas institucionais já se concretizaram no campo de publicações, bem como na promoção de eventos e cursos.  Vislumbramos, porém, que poderemos avançar muito mais, principalmente com a efetiva atuação da Assessoria Científica ( assessoriacientifica@cppc.org.br).

Ao mesmo tempo, não desconhecemos o potencial que existe nas relações do Corpo com as associações científicas e profissionais da Psicologia, da Psiquiatria e áreas afins, aqui incluídos os Conselhos respectivos.  Na medida que conseguimos vencer preconceitos bilaterais, exercitaremos colaboração que poderá ser muito profícua.  Cremos que contribuiremos cada vez mais em questões que envolvem, entre outros aspectos, o respeito à vida, a preocupação com a ética, a valorização da dimensão religiosa, o resgate das relações interpessoais, o engajamento em projetos sociais.

Por outro lado, vemos no âmbito das comunidades religiosas cristãs uma aceitação mais ampla da Psicologia e da Psiquiatria, mesmo que isso não seja isento de contradições.  Muitos Seminários e Institutos Bíblicos têm conteúdos consistentes destas ciências em seus programas, contribuindo para que os ministros religiosos alcancem maior competência no trato dos problemas humanos.  Além disso, multiplicam-se cursos de especialização e aperfeiçoamento destinados a pastores e leigos, difundindo conhecimentos e atitudes que muito os enriquecem, fomentando comunidades cristãs genuinamente terapêuticas espalhadas por todo o Brasil.  Se não nos preocupamos em difundir nossa “trade mark” e sim em vermos nossas propostas difundidas e assimiladas, só podemos nos alegrar.

Trabalhamos também na ampliação das parcerias com instituições de ensino, com missões,  associações e ministérios sociais cristãos que atuam no Brasil e no exterior.  As competências específicas que temos deverão ser cada vez mais úteis a diferentes expressões de trabalho cristão, levando uma contribuição significativa a diferentes formas de atuação interdisciplinar.  Com o respeito e credibilidade que o Corpo acumulou através dos anos, vemos aumentar o número de solicitações que nos chegam.  Entendemos que as assessorias de relações internacionais e de relações institucionais ainda poderão avançar muito na abertura de canais de diálogo e construção de ligações duradouras e frutíferas com entidades coirmãs ( relacoesinternacionais@cppc.org.br ;assessoriainstitucional@cppc.org.br).

Sabemos que a pluralidade das tendências teológicas, somadas às divergências no campo dos costumes e comportamentos, poderá abalar a unidade que temos nos esforçado por manter.  Definimo-nos, desde o princípio, como grupo confessional cristão que se identifica com a tradição bíblica e a herança protestante e evangélica, conforme as crenças expressas em nossas Bases de Fé.  Nunca nos moveu, entretanto, qualquer espírito dogmático e separatista, estando dispostos a abrigar todos os que se dizem identificados com tal formulação doutrinária.  Não submetemos alguém ao crivo de qualquer inquirição além da livre expressão de sua adesão.

Assim é que sempre tivemos entre nós pessoas de vinculação católica romana, todas contribuindo significativamente para o enriquecimento do Corpo.  Enquanto esta continue sendo a opção de muitos, outros preferiram trilhar caminho próprio, dando início em anos mais recentes à Associação Católica de Psicólogos e Psiquiatras ( acpp@acpp.org.br).  Nosso relacionamento mantém-se amistoso e fraterno, visando à mútua colaboração.

Entre os evangélicos já se verificou uma tentativa de criação de um grupo alternativo, de ênfase mais conservadora.  Nós entendemos que devemos trabalhar na direção da unidade, com tolerância e respeito mútuo, desestimulando a tendência fragmentária e denominacionalista.  Até quando conseguiremos êxito, só Deus o sabe.  Por outro lado, devemos admitir que temos encontrado embaraços para aproximar aqueles irmãos de orientação teológica mais liberal.

Temos verificado em nosso meio o desenvolvimento de uma tendência que consideramos natural e salutar.  Trata-se do agrupamento de profissionais e estudantes identificados com áreas específicas de interesses e práticas.  Entre essas, vemos com alegria muitos associados reunirem-se em torno do trabalho com famílias, ministrando treinamento em nível de pós-graduação, produzindo pesquisas e publicações, oferecendo atendimento qualificado.  Outros grupos tendem a seguir o mesmo caminho, dedicando-se aos campos do aconselhamento pastoral, das dependências químicas, da sexualidade, das práticas de alcance social.

Um grande sinal de vitalidade do Corpo é a incorporação crescente de membros estudantes, especialmente de Psicologia.  A abertura de um canal específico para eles, o CPPC Universitário, tem-se mostrado extremamente adequada.  Ela veio de encontro ao número crescente de estudantes de nível superior em nosso País.  Por seu turno, o aprimoramento do nosso “site” (www.cppc.org.br) e o incentivo ao uso da comunicação eletrônica dão agilidade aos contatos, adequando-os ao estilo de nova geração.

Parece-nos que estamos dando conta de manter o espírito inicial, ampliando o alcance dos objetivos que nos unem, aperfeiçoando as formas de comunicação e o alcance das iniciativas de atuação.  Caminhemos juntos, até quando Deus o permitir.

Referências bibliográficas:

1. Berger PL, Berger B, Kellner H.  The homeless mind – modernization and consciousness. New York, Vintage Books, 1974.

2. Bíblia Sagrada: Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Barueri (SP), Sociedade Bíblica do Brasil, 2000, p. 142 (I Coríntios 12:27).

3. Cavalcanti R.  Cristo na universidade brasileira?  São Paulo, ABU Ed., 1972.

4. Lima, LVV de.  Agentes de Deus: representações sociais de psicólogos evangélicos na prática terapêutica.  Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).  Rio de Janeiro, 2004.

Juiz de Fora, 13 de maio de 2006.

Uriel Heckert – Médico psiquiatra, doutor em Psiquiatria pela USP, professor da UFJF, membro fundador do CPPC.

 

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