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O AMOR DOS HOMENS NA SOCIEDADES, por Ageu Heringer Lisboa

Artigos e Notícias

O amor humano:Sentimentos, desejos e expressões favoráveis de alguém a outrem; se mostra como bom cuidado, boa atenção, empatia e simpatia de alguém para com o seu próximo; moções afetivas e disposição mental favorável a pessoas, independente de retribuição e reconhecimento; expressões construtivas entre pessoas.
Não é bio-lógico em essência, ou seja, não é mera manifestação de instintos, sendo muito mais fenômeno da consciência. Embora necessite dum substrato biológico, supera seus imperativos primários. Revela nossa dimensão pneumo-lógica, espiritual, e a dinâmica psico-lógica como manifestação que transcende nossa sobrevivência bio-lógica.
Atende nossa dimensão ética, expressão de nossa natureza relacional. Incrementa qualidade aos relacionamentos – tanto nas iniciativas quanto nas respostas. É um bem social preciosíssimo que pode brotar de cada vida para ser partilhado. Se retido como bem privado, desaparece.
Na sabedoria bíblica é expresso como procedente de Deus. Ação divina a favor da vida, elemento estruturante fundamental da espécie e da pessoa. Posto como mandamento universal, deve constituir a motivação, o meio e o fim de nossos propósitos e ações. É comportamento aprendido que pode e deve ser continuamente enriquecido.
Todos o desejam, poucos se consideram devidamente amados. Nos anos iniciais da vida é crucial para viabilizar a própria sobrevivência da criança. Felizes os que desfrutaram de seios acolhedores, recebidos e nomeados com ternura pelo pai! Tristeza e angústia para os mal recepcionados, os abandonados emocionalmente. Sem o amor como ato confirmatório da pessoa, como existir? Sua falta cria um vazio – perigoso e sofrido vazio – fonte de muito adoecimento e violência.
Converte o estranhamento do outro, pela identificação em semelhante, e promove a paz. Transforma o vulto fantasmagórico num igual a mim. Torna o personagem em pessoa.

Deficiências amorosas
1) Inúmeras pessoas, a maioria homens, apresentam enormes bloqueios de recepção e expressão afetiva. Sentem-se pouco à vontade e com vergonha quando solicitados afetivamente por filhos ou cônjuges. Minimizam a importância da ternura, considerando-a fraqueza ou sentimentalismo. Alguns até se vangloriam de sua dureza e objetividade, racionalizando sua deficiência como virtude. Normalmente estão reproduzindo um modelo emocional aprendido na família de origem ou dos cuidadores substitutos.
2) Há um tipo autocentrado, celebrado em nossa cultura machista, que só pensa e sente em termos do desempenho sexual e de sua satisfação genital. Desconhece /ignora os sentimentos e as necessidades das próprias esposas ou companheiras e é incapaz de autocrítica. Diz sempre que está tudo bem e pede à mulher que não o pertube. Revela uma pobreza emocional que infelizmente produz distúrbios de comunicação em todos relacionamentos.
3) Os motins na penitenciária juvenil de São Paulo – Febem – com sua monstruosa crueldade e expondo enormes feridas humanas e perversões sociais revelam-nos, entre muitos elementos, a absoluta predominância de pessoas do sexo masculino. Estes pouco mais de 3.000 internos representam apenas 13% do universo de adolescentes infracionários. Juízes, sabendo da superlotação, liberam muitos da internação. Segundo alguns estudos, estes menores atuam ao vivo o modo que vêem nos games e filmes disponíveis no mercado.
4) No perfil desses internos, encontramos pessoas vítimas de abusos emocionais e sexuais em grande parte perpetrado por familiares e pessoas de confiança dos pais. Pais alcoólicos, violentos, maldizentes, outros ausentes. Este tipo paterno sombrio priva a criança e o adolescente de pa-i-râmetro saudável e instala um fantasma – distorção da figura humana – da própria imagem e da imagem do outro criando sentimentos persecutórios. Na rua, outros abusadores se encarregarão da corrupção da figura humana e da imago-dei.
5) Nas famílias abastadas encontramos, além destas perversões, outras adicionais, numa cultura materialista e hedonista que corrompe pelo dinheiro onipotente. Objetos e toda sorte de máquinas substituem relações afetivas. O desconhecimento de limites, a intimidação sobre educadores e a compra da impunidade em casos de delitos privam o jovem rico de um senso moral comunitário. Dispondo de dinheiro fácil, adquire drogas e armas, financia abortos e a rede de prostituição masculina e feminina.
6) Provavelmente a maior agressividade do macho está relacionada à sua estrutura genética e à dinâmica hormonal (taxa de testosterona). Em antigas mitologias temos bem nítido o psiquismo arquetípico do guerreiro. E em todas as civilizações, em qualquer remoto grupo humano, bem caracterizando o patriarcado, desde criança o macho foi separado e treinado para guerrear, para matar. Seu mundo seria o da caça e da conquista. As características desejadas pelo grupo e objeto de treino e rituais de iniciação e passagem estiveram e ainda estão ligadas à capacitação e expressão da força e da valentia, com os sentimentos de dor e carência negados e qualquer emoção controlada. E sua orientação básica passou a ser o mundo das coisas e o mundo de fora: impessoalidade, distância afetiva. A especialidade psíquica mais destacada passou a ser o raciocício estratégico para domínio de território e de pessoas. Esfera do público, da polis, da exterioridade.
Nas mitologias mais recentes, os superheróis têm cada vez menos caráter. Os personagens supermachos dos games Papai Noel, Mortal Kombat, Doom, Carpocalipse, Carmageddon e similares não fazem questão de sua humanidade e claramente se identificam como máquinas demoníacas. São coadjuvantes de frágeis, drogados e fúnebres astros do rock, do tecno e de outras expressões industriais da estética pós-moderna.
7) Uma sociedade estruturalmente injusta é estruturalmente violentadora. Convivemos com novas formas de violência, como a violência simbólica: a destruição de referências de valores, a profanação do sagrado. Exemplo disso ocorre com o esforço de aumentar a audiência de emissoras de TV de forma apelativa e sensacionalista: meninas e adolescentes expostas para consumo sexual. A figura humana é representada em fragmentos de bocas e genitais. Justiceiros fascistas ocupam espaços, incitam as massas e desacreditam a democracia e a justiça. O feminino é reduzido a um fetiche sem rosto nem personalidade. O imaginário popular é preenchido por ídolos de carne e osso, ricos e famosos que mostram suas caras e casas. Ídolos voláteis. Tudo se torna imagem, coisa, produto de consumo: sexualidade, religião, o sofrimento e a saúde. A estética do marketing sufoca a ética que preservaria a justiça e o amor. No campo do sagrado, da experiência com Deus, mercadores de cultos, templos, energias e almas hipnotizam e seduzem multidões de des-iludidos.

Caminhos para o espírito
Somos mais familiarizados com o mal estar da civilização pontuado por Sigmund Freud, a ansiedade básica que sofremos como preço de nossa educação instintual, reconhecimento do lugar do outro, e transformação de nossa agressividade em produto e expressão socialmente aceitáveis. Mas, frente às caricaturas do masculino a que estamos expostos, e diante das tremendas dificuldades dos relacionamentos que protagonizamos, necessitamos de cura substancial e contínua. Sendo nossa identidade dinâmica – um contínuo vir-a-ser – em grande medida fruto de nosso próprio investimento autoconsciente em meio aos condicionamentos históricos, podemos nutrir esperanças de tempos melhores. Inda mais quando reconhecemos ser este mundo criação de um Deus que intervém.
Inegáveis conquistas culturais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, os recentes Direitos da Criança, a Carta da Terra e a defesa de minorias, tudo aponta para uma crescente consciência em defesa da vida. Ansiamos pela quebra de outras barreiras de intolerância e ignorância, que mantêm injustiças. Paul Ricoeur no ensaio O mal, um desafio à filosofia e à teologia ensina que temos o dever ético da ação política, como tarefa humanizadora de nosso mundo.
No singelo livro Missão da mulher, Paul Tournier instrui aos homens a que se deixem atrair pela atitude feminina de abertura para o afeto, para a pessoalidade e a ternura. Trata-as como ânimas auxiliadoras no processo de abertura emocional do homem. Esta abertura é fundamental, é caminho para a cura de nossas patologias, especialmente o medo do amor.
Num escrito sobre a oração o Dr Carlos Hernández nos convida a comparecer ao encontro de Deus numa atitude de espera e entrega, como num encontro amoroso; nos ensina ainda como a prática da oração meditativa e a escuta da Palavra de Deus possibilitam uma intervenção divina em nossas profundezas, centrando-nos na verdade e no amor.
A palavra de Deus gera a vida; paira por sobre o abismo e o nada, nos chama à existência. Ele nos quer na via da sanidade e da santidade. A realização contínua de nossa existência plena se dá como graça divina e como tarefa. Processo psicodinâmico e sacrodinâmico. A busca e o desenvolvimento do amor, dom de Deus, é claramente colocado como alvo superior de nossas vidas; como a salvação – I Co.13 e Fp 2. Assim cresceremos em maturidade segundo a medida do filho do homem, filho de Deus.
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Ageu Heringer Lisboa é psicoterapeuta em São Paulo

 

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