MODERNIDADE E SEUS VAZIOS, por Dom Celso Franco de Oliveira
NÃO IMPORTA, RESPONDEU A CRIANÇA, SE ALGUÉM FALAR A LUZ VEM”
As seitas e o fanatismo atual crescem diante da impossibilidade de um mundo moderno dar conta de questões profundas da alma humana.
A modernidade nos lega nesse preciso momento histórico uma nostalgia quase melancólica dos absolutos e garantias de verdades simbólicas que por muito tempo foram carinhosamente idealizadas nos nossos nichos.
Inscreve-se a partir de então no psiquismo humano o fantasma da “falta” sob forma de esvaziamentos, desintegração e ausências de fronteiras entre o mundo externo e interno, presentificadas pelos multiplos malabarismos que hoje o sujeito articula no afã do “preenchimento” desse vácuo representado pelas inquietudes da alma sem que a mesma tenha possibilidade de decidir o que é duradouro numa sociedade impaciente e que se concentra no agora..
O sujeito de hoje vive a orfandade de idéias e verdades, assujeitado à sofreguidão por substitutos passageiros, identificações adotadas e mimetismos num mundo desorientado que corroe as idéias de integridade, confiança, compromisso e ajuda mútua. Hoje no dizer de Christopher Lash, sobra para o “eu” um lugar mínimo. Cresce então o individualismo onde os relacionamentos humanos tornam-se cada vez mais descartáveis.
Irrompe o Indiferentismo e o cinismo como resposta ao vazio da existência. Vazio que se instala como defesa premido pela ameaça do eu. Renuncia-se os ideais sociais e políticos pelo “ter’ e o “fazer” imediatos.
O EGO, instancia mediadora das pulsões e regulador das reivindicações que afloram a interioridade humana contra as exigências superegóicas e além do suportável, vai perdendo o fôlego e a capacidade de interagir a favor do equilíbrio psíquico.
Acirra-se o primado de uma sociedade narcísica, surgem as defesas pela fala dos sintomas, vive-se um “novo adoecer” a “dor nova” apontando para a desumanização do sujeito e seu sentimento de não pertencer ao universo da fraternidade.
Como suportar e conviver com os vazios de sentido se o corpo não é apenas biológico, tem suas representações, erogeneidades, afetos que procuram manter o senso de unidade e continuidade do próprio eu? A ilusão de identidade parece ser uma alternativa é o que diz Joyce McDougall: “Somente a ilusão de uma identidade pode eventualmente preencher o vazio. Por mais ilusório que seja o sentimento de identidade é um dado essencial para a vida de um sujeito confrontado com a ameaça da morte psíquica”
Pensando a ilusão como estratégia de sobrevivência desse sujeito ante a possibilidade de seu aniquilamento psíquico, ocorre-me pontuar pelo menos três espaços para onde migra esse individuo do mal-estar moderno: para a violência como irrupção de agressividade gerada pelo sentimento que tem de
“perdedor”. Para a drogadicção como vivência de fracasso e como modo de, simultaneamente, gozar e desistir dos ideais, e finalmente, para os super-mercados da fé, onde esse sujeito vivenciando “acúmulos de necessidades instituais” e portanto desamparado, tomado por visões apocalípticas e movido por idealizações e euforia a qualquer preço, vai adquirir seus bens religiosos como compensação dos desgastes sociais e anonimato.
Refiro-me àqueles empobrecidos e incapacitados de elaborar perdas e lutos, de ampliar seu sistema de representação simbólica, fazer circular a libido, vincular relações de objeto satisfatórias e viver a vida de forma criativa e espontânea.
Freud em “O Mal-estar na Civilização” destaca o impasse entre o apelo à uma felicidade constante e a ameaça: “O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e finalmente, de nossos relacionamentos humanos com outros homens – essa última fonte talvez seja mais penosa do que qualquer outra.”
Recorto essa última fonte divinamente lembrada por esse “Judeu sem Deus” numa retomada às Escrituras pelo enfoque da Encarnação de um Deus que se faz gente de relação e assume a tragédia humana, imergindo radicalmente nessa corporeidade na proposta da Ressurreição que atinge a totalidade humana.
Afinal que quer e espera esse ser humano da vida? Quer experimentar o sabor de se sentir e existir e poder acreditar nas relações fraternas, na solidariedade, na fraternidade universal, já que os ideais individualistas que ainda predominam, começam a manifestar sinais de cansaço e aos poucos notamos o acenar de um outro indivíduo mais capacitado a enfrentar sua insolúvel falta básica pela mediação do outro, permitindo assim , que o espaço vazio entre o eu e o outro se estreite cada vez mais. É no outro e pelo outro que me vejo e me percebo. “Sem o outro não existe o um”. O que se busca enfim é o vínculo com o outro, tornando palpável a experiência do viver criativo e apaixonado.
Concluo lembrando o seguinte trecho dos “Três Ensaios”, (Freud,1905), onde se registra a fala de um menino de três anos: “Titia, fale comigo! Estou com medo do escuro” Sua tia respondeu-lhe: “De que adianta? Você não pode ver-me”. Não importa, respondeu a criança, se alguém falar comigo fica tudo claro e a luz vem”.
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Dom Celso Franco de Oliveira
Bispo da Diocese Anglicana do Rio de Janeiro
Psicólogo Clínico