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MIRAGENS DA VIA CRUCIS, por Carlos José Hernández

Artigos e Notícias
Um Outro Mundo Possível

A empinada ladeira
ajuda na introspecção.
De alguma parte de meu
interior
as imagens começam a saltar
como pipocas na panela.
Saltam de textos e conferências,
de reuniões e Santas Ceias,
de festas e funerais,
e aderem sinistramente ao meu
rosto.
Eu sou aquele cruzado que nas
portas
de Jerusalém
degola uma e outra vez os infiéis.
Um gnóstico,
que iluminado com todo o
conhecimento,
se sente puro.
Também
o piedoso pregador,
conturbado ante as almas que
escapam do inferno.
E
um inquisidor incorruptível,
que observa como o fogo queima o
herege.
E,
à s vezes, nas noites de insônia,
um medieval
que ouve uma melodia gregoriana,
ocultando-se na abóbada de uma
igreja.
Também
socialista na juventude,
caminho ao banco conservador.
Ainda que também
tenha sido o médico, que sofre o
paradoxo de viver
diante do extravasamento
emocional da doença,
fui titubeante assistente
da paupérrima vila habitada por
crianças desnutridas.

As estações da Via Crucis se
sucedem.
Magicamente deixo de ver,
para ver-me num espelho que me
revela.
Que eu sou o personagem
imperfeito da história,
da filosofia e da teologia,
da política e do clero.
O sol começa a esconder-se
e a semelhança que fui
adquirindo de tudo aquilo que
critiquei,
perturba-me.
Decido inclinar-me e confessar.
De que maneira
minhas representações do bom e do justo,
do correto e do puro,
do são e do verdadeiro,
do certo e do objetivo,
distanciaram-me
do manancial da Graça.
As pedras pontiagudas
anunciam a proximidade da cruz.
Intuo um olhar que me abraça.
Sinto-o em meu corpo
e no palpitar do meu coração.
Suavemente,
as obsessões começam a
abandonar-me.
Subitamente,
um deslumbramento impede-me
de ver
em meio à intensidade da luz.
Um relâmpago pulveriza toda a
projeção.
Começo a perceber-me presente
ante uma Presença.
Nesse instante,
se me evaporam as forças.
Estou prestes a cair,
tentarei fazê-lo de joelhos.

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Carlos José Hernández é Psiquiatra Argentino e Membro Honorário do CPPC
E-mail: cjher@arnet.com.ar – (Tradução Yara)

Este belo poema o Hernández escreveu a partir de conversas no nosso último Congresso. Até onde meu portunhol alcançou, ele me lembra de outro poema – apresentado na noite da espiritualidade pela Roseli – do Dietrich Bonhoeffer em que este se pergunta “Quem sou eu?”, expondo a face heróica e a vergonhosa da mesma pessoa (ele próprio). A conclusão em ambos chama para a presença de Deus, e me faz lembrar daquele conceito tensionado pregado por Lutero: “simultaneamente justo e pecador”. 

Gostaria de nos recomendar esse tipo de atitude e de expectativa no CPPC. Essa aceitação da triste realidade dos meus pecados, simultanea e continuamente com a (fé na) maravilhosa realidade do amor de Deus para com nós pecadores, é preciosa fonte de paz em meio às tensões da vida, podendo sempre admitir erros e imperfeições. Ao mesmo tempo, essa “des-dramatização” dos erros e pecados torna bem mais fácil o falar deles e o enfrentá-los, sempre sob o manto da paz com Deus, visto que não é mais uma questão de “vida ou morte” – já foi a questão de morte, precisamente da cruz do nosso Senhor.

 

Imagino que esse cultivo de uma transparência na Presença seja um “crescer na graça e no conhecimento de nosso Senhor”. Além de nos aproximar mais da realidade, pode melhorar nossa atitude para com críticas e “apontação de erros” (tanto para recebermos como para fazermos), e “apaziguar” os ânimos num sentido mais literal.

 

Deus colocou “um bando de pecadores” no CPPC. E também nos fez “um grupo de santos” amados. E também um bando de pecadores. E também um grupo de santos amados. E também… Essa tensão vai persistir enquanto estivermos neste planeta, e é assim que avançamos e vamos tratando de nossos pecados e acertos. Por isso não nos assustemos quando falarmos (ou ouvirmos) sobre nossos erros (que certamente aparecerão). Assim, justificados pela fé, vamos sendo usados para construir o Reino de Deus.

 

Sejamos, pois, pecadores e justos (posto que o somos), sempre perante o Senhor.

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Karl Kepler, Psicólogo e Pastor

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