HOMOSSEXUALIDADE NO MEIO CRISTÃO, por Rev. Zenon Lotufo Jr.
“Não existe provavelmente outra palavra (homossexualidade) em nossa língua que seja um símbolo tão grande de controvérsia e que provoque tão rápidas reações emocionais.” Gary Collins, psicólogo evangélico em “Aconselhamento Cristão” (Edições Vida Nova)
“A homossexualidade é um problema tão inflamável no momento dentro da comunidade cristã que tudo o que for dito será severamente criticado – e provavelmente por uma boa razão.” Richard J. Foster, escritor evangélico em “Dinheiro, Sexo e Poder”(Ed. Mundo Cristão)
Por que abordar esse assunto?
Se o amigo leitor se sente pouco confortável ao deparar com artigo sobre tema tão polêmico, tem toda a minha simpatia. Não é, certamente, agradável, lidar com assuntos como este que podem, até mesmo, causar alguma perturbação. Mas é necessário. Se não, corremos o risco de, por um lado, alimentar opiniões originadas mais de preconceitos mundanos do que de um estudo sério da Bíblia e, por outro, de nos sentirmos desorientados frente ao modo como os meios de comunicação abordam a questão.
Porém mais importante de tudo é confrontar nossas posições com o ensino de Jesus tendo em vista que não estamos tratando de um “tema” abstrato mas sim de pessoas reais que lutam, que sofrem, que têm qualidade e defeitos como quaisquer outras.
É conveniente ter em mente que as atitudes com relação à sexualidade, em geral, têm oscilado – e é o que ocorre ainda em nossos dias – entre um extremo repressivo em que tudo o que se relaciona a sexo é considerado impuro, sujo, imoral, etc. e outro em que se defende uma total “liberação”, uma entrega sem resistência a qualquer impulso ou desejo.
Como a Bíblia vê a questão?
Assim, nossa primeira preocupação deve ser a de procurar entender o que as Escrituras nos dizem a respeito e, nisso, elas são claras: as relações homossexuais constituem pecado. Textos como Lev. 18:22; 20:13: Rom. 1: 26-27; I Cor. 6: 10 e I Tim. 1: 9-11 não deixam margem a dúvida. Cabem, no entanto, algumas considerações. Acompanhando a tradição de importantes teólogos do passado, existe uma tendência a distorcer o ensinamento bíblico no sentido de exagerar a gravidade da condenação desse tipo específico de pecado (como, aliás, é feito com quase tudo o que se refere à sexualidade). Essa tradição está fortemente contaminada por idéias estranhas à visão judáico-cristã, idéias provenientes de correntes religiosas (como é o caso do Gnosticismo) que viam tudo que se refere ao corpo – a sexualidade acima de tudo – como inerentemente mau. Agostinho, por exemplo, escreveu que “nada degrada tanto o espírito masculino quanto a atração por mulheres e o contato com seus corpos” .
E que dizer das passagens de Levíticos onde se lê que pessoas que praticam relações homossexuais devem ser executadas? Vejamos o que escreve a respeito Alan Brash, pastor presbiteriano neozelandês, em seu livro “”Encarando Nossas Diferenças – as Igrejas e Seus Membros Homossexuais” (Ed. Sinodal) : “”Outras partes do Código de Santidade proíbem toda uma série de outras coisas que, ao que sabemos, não são levadas a sério por nenhum cristão moderno – por exemplo, comer carne contendo sangue, usar roupa feita de dois tipos de fibra ou designar para o sacerdócio alguém que tenha qualquer defeito físico, mesmo que seja uma sobrancelha torta.” (…) Isso inevitavelmente levanta a seguinte questão: como é possível determinar que um versículo na presente passagem deve ser considerado como tendo autoridade divina, ao passo que se rejeita tantos outros versículos adjacentes como sendo inaplicáveis para nós hoje?”
Mas as relações homossexuais (sodomia) são também relacionadas pelo apóstolo Paulo entre os pecados graves, que podem excluir seus praticantes de herdar o reino de Deus (I Cor. 6: 9 e 10). Entra em jogo aqui uma questão séria quanto à forma de interpretar a Bíblia. Uma interpretação literal, desconectada do contexto mais amplo da mensagem redentora de Jesus, pode levar a nos distanciarmos do que Deus quer nos transmitir especificamente, a cada um de nós, em cada situação específica. Assim, tomar essa passagem como uma condenação radical e absoluta a todo indivíduo com inclinações ou práticas homossexuais pode estar longe do que Deus expressa no conjunto do Novo Testamento e levar a atitudes pouco caridosas para com pessoas que precisam mais de acolhimento do que de condenação. Mais explicitamente: a condenação contida neste e noutros textos similares dirige-se aos comportamentos homossexuais como Paulo os conhecia em seu tempo e em determinadas sociedades mas não abrange todas as pessoas que hoje classificamos como homossexuais. Para entender esse ponto, é preciso ter em mente o tipo de ambiente em que viviam os cristãos aos quais o apóstolo se dirige em suas cartas, ambientes em que se cometiam toda a sorte de impurezas e torpezas as quais eram não somente praticadas mas até mesmo aprovadas. (Rom. 1:32). Aplicando essa visão aos nossos dias, teríamos que fazer distinção entre as formas de comportamento homossexual (como também heterossexual) nitidamente pervertidas – e, infelizmente as vemos com certa frequência e merecendo destaque e aprovação dos meios de comunicação – e aquelas que envolvem, por exemplo, a pequena porcentagem de indivíduos transexuais, para os quais a possibilidade de mudança é praticamente nula ( estes são, como disse, minoria, pois há bastantes indícios de que homossexuais de outras categorias podem mudar).
Do ponto de vista tanto teológico quanto psicológico, esse ponto é extremamente importante porque a condenação, além de produzir sofrimento inútil , é um forte obstáculo à mudança.
Vale a pena mencionar que há praticamente unanimidade entre os autores evangélicos que tratam do assunto, por diferentes que sejam suas posições teológicas, quanto à necessidade de uma atitude acolhedora e não condenatória por parte das comunidades cristãs no que se refere aos homossexuais, como, de resto, a todos quantos precisam do perdão e do amor incondicional de Deus (e que somos todos nós).
Mas não se trata de uma concessão à imoralidade?
Alguns dos homossexuais com mais visibilidade nos meios de comunicação de fato têm atitudes provocativas, imorais e até caricatas. É preciso, contudo, cuidado para não generalizar; não representam se não uma minoria. Não há dúvida de que vivemos em um mundo cujas fronteiras entre o que é decente e o que é indecente vão se tornando indistintas. Isso é verdade para a sexualidade como também para muitas outras áreas. Os cristãos podem e devem manifestar-se com relação a tais condutas não como quem julga e critica de uma posição superior mas na qualidade de quem – em obediência a seus Senhor – tem interesse pelos demais e pode testemunhar que existe uma forma de vida muito mais plena, que é aquela que Ele veio nos dar.
Que têm a dizer a psiquiatria e a psicologia?
Desde 1973, os principais manuais que estabelecem os critérios psiquiátricos de classificação das doenças mentais excluíram a homossexualidade da relação de transtornos patológicos, isto é, não a consideram mais uma doença que deva ser tratada mas sim uma opção equivalente à heterossexual. A questão, contudo, ainda é bastante polêmica e vale a pena observar que , há poucos dias, um dos psiquiatras que mais se bateu pela modificação dos critérios diagnósticos em 1973, o Dr. Robert Spitzer, causou sensação nos meios médicos e psicológicos ao anunciar que estava modificando seus pontos de vista, uma vez que suas pesquisas indicavam que número substancial de homossexuais mudaram de orientação sexual após passarem por psicoterapia. A controvérsia é ainda mais intensa entre os psicólogos, na medida em que a maior parte destes profissionais se filiam a correntes que sustentam posições bastante conflitantes entre si quanto á natureza humana e o que se considera normal e saudável.
De qualquer forma, creio ser importante mencionar que vários estudiosos do tema, entre os quais o Dr Martin Seligman , Professor e Diretor de Treinamento Clínico em Psicologia da Universidade da Pennsylvania, EUA, insistem em que existem diversos tipos de homossexualidade, variando desde uma tendência leve por parte de pessoas normalmente heterossexuais, até o transexualismo, que afeta a identidade sexual do indivíduo,
levando- a sentir-se, desde tenra idade, como uma mulher presa em um corpo masculino, ou vice-versa. Para Seligman, “De toda a nosologia, o transexualismo é o distúrbio mais profundo. Não conheço outro problema psicológico tão intratável.” Em sua opinião, o problema surgiria de uma perturbação no desenvolvimento do feto, ocorrida entre o segundo e o quarto mês de gravidez e relacionada ao funcionamento das glândula secretoras do hormônio masculino do feto. Esses hormônios, além de conduzirem o desenvolvimento dos órgãos masculinos, têm um efeito psicológico independente ao produzirem a identidade sexual. Enfatizo, novamente, que se trata de pequena porcentagem dentre o total de pessoas com tendências e comportamentos homossexuais. Se isso é assim, e há fortes indícios de que seja, precisamos cuidado quando discutimos a homossexualidade porque existe grande risco de, ao manifestar pontos de vista conflitantes, estarmos nos referindo a coisas diferentes. ] ] ] Como se vê, a questão é difícil e requer que, ao considerá-lo, busquemos o amor, a mansidão e a humildade produzidos pela presença do Espírito. Creio que vale a pena encerrar com as palavras de Richard Foster, em seu livro já citado: “Se não podemos concordar com a escolha da prática homossexual, tampouco podemos jogar fora a pessoa que fez tal escolha. Não; ficaremos ao seu lado, sempre prontos a ajudar, sempre prontos a apanhar os cacos se as coisas caírem aos pedaços, sempre prontos a levar a aceitação e o perdão de Deus.” O Rev. Zenon Lotufo Jr. é pastor da IPI e analista transacional. É coordenador do Núcleo São Paulo Oeste do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos e do curso de Especialização em Aconselhamento Pastoral que o CPPC patrocina, com o apoio do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo. É também presidente do Ministério Jeame de Assistência Integral à Criança e ao Adolescente Carentes e de Conduta Infracionária.
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O Rev. Zenon Lotufo Júnior é pastor da Igreja Presbiteriana Independente e analista transacional.