AFINAL, O QUE QUER UMA MULHER? por Karin Wondracek
Pergunta que marca o impasse da psicanálise com o destino do feminino nas últimas décadas. Será que Freud compreendeu o que nós queríamos? Parece que esta incompreensão não é privilégio do pai da psicanálise. Se olharmos para trás, quando é que a mulher foi entendida? Quando é que seu desejo pode ser acolhido?
Foi entendida ao ser englobada pelo direito romano nas propriedades do esposo, que assim pode tratá-la como sua terra ou seu animal? Ou quando foi reduzida a escrava pelo islamismo, objeto de prazer do marido, com o direito ao seu próprio gozo sendo extirpado, em algumas culturas até de forma física?
O direito ao gozo feminino pertence a uma das últimas conquistas na nossa sociedade ocidental. No século em que a humanidade chega na lua, a mulher volta-se sobre seu próprio corpo e seu próprio prazer…será algo tão difícil e tão distante como a lua dos astronautas?
Houve uma saudável exceção, que permite que a esperança retorne. Há quase dois mil anos, Jesus, homem-Deus nascido na Palestina, mostrou que a compreensão do feminino podia ser diferente.
Vale a pena olhar seus diálogos com mulheres, como descritos na Bíblia, e meditar sobre o conceito de mulher que Jesus mostrava ter.
Tomando a história da mulher samaritana como texto para livre-associação, ele poderia ser assim:
O CONTEXTO
João 4, 1-6
Quando Jesus soube que os fariseus tinham ouvido dizer que ele fazia mais discíipulos e batizava mais que João – ainda que, de fato, Jesus mesmo não batizasse , mas os seus discípulos – deixou a Judéia e retornou à Galiléia. Era preciso passar pela Samaria. Cheggou, então, a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, perto do terreno que Jacó tinha dado a seu filho José.. Ali se achava o poço de Jacó. Fatigado da caminhada, Jesus sentou-se junto ao poço. Era por volta da hora sexta.
É preciso recuar estrategicamente, ainda não é chegada a hora de expor-se. Nesta “regressão”, Jesus passa pela terra dos antigos. Terra do narcisismo, onde Jacó presenteara seu filho predileto com uma fonte. A fonte presenteada pelos pais não seca nunca, sempre precisamos realimentar nosso narcisismo, principalmente quando ameaçados.
O ENCONTRO
7-9 Uma mulher samaritana chega para buscar água. Jesus lhe diz: “Dá-me de beber!” Seus discípulos tinham ido à cidade comprar alimento. Diz-lhe então a samaritana: “Como, sendo judeu, tu me pedes de beber, a mim, que sou samaritana?” (Pois os judeus não se dão com os samaritanos)
Jesus confronta a mulher com suas tradições. As coisas não ocorrem como usualmente, e isto exige parar para pensar. Este homem reconhece nela a capacidade de saciar sua sede.
Talvez ela estivesse mais acostumada a ouvir dos judeus o que o profeta Amós dissera das mulheres da Samaria:
Escutai esta palavra, vacas do Bashan,
que pastais na montanha de Samaria,
explorando os indigentes
triturando os pobres
dizendo aos vossos senhores:
Traze de beber!
Jesus Cristo repete o pedido de que traga de beber, mas em bem outro tom – a diferença entre a condenação feita pela lei e a aceitação pela graça.
A abertura de Jesus faz com que ela também tenha de se abrir ao diálogo.
Este é o papel das crises – desestabilizar, desconstruir o sabido, para que algo novo possa surgir e tratar da sede da alma.
A RESPOSTA
10- “Se conhecesses o Dom de Deus
E quem é que te diz:
Dá-me de beber,
Tu é que lhe pedirias
E ele te daria água viva!”
Jesus passa para outro plano, da sede existencial. A partir da sede concreta, fala da água viva. Esta exige um conhecimento diferente, conhecimento das fontes.
Será que conhecemos realmente quem nos promete água viva? Será que nos aproximamos com tanta curiosidade como esta mulher, dos enigmas que as crises nos propõem?
11- Ela lhe disse: “Senhor, nem sequer tens uma vasilha e o poço é profundo; de onde, pois, tiras esta água viva? És, porventura, maior que o nosso pai Jacó, que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu, com os seus filhos e os seus animais?
A mulher também realiza a passagem do concreto para o simbólico. Começa a intuir que ali está alguém que pode ser maior que o pai Jacó. No plano espiritual, a pergunta é se há alguém maior do que a herança recebida pela tradição. As leis são como fontes exigentes que impõe esforços para saciar a sede: são necessários baldes, caminhadas, observâncias e rituais para mitigar a nossa sede.
No plano psicanalítico, esta mulher lembra a histérica em busca de um homem como o pai para saciar a sede de afeto. Marcado pelas primeiras paixões, este afeto exige o esforço de restabelecer a situação edípica, remetendo à busca nas fontes profundas e dispendiosas da infância. Houve uma alimentação narcísica, tal como a de Jacó para com José, e esta mulher permanece fixada neste modo de satisfação libidinal.
E Jesus leva o diálogo para que esta cena apareça:
Paul Vitz faz a interessante relação de que Jesus pode ser apresentado como o anti-édipo. Jesus é um filho que não compete com o pai, antes faz questão de realizar a sua vontade.
A SEDE
15-18 Disse-lhe a mulher: “ Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede nem tenha de vir mais aqui para tirá-la!”
Jesus disse: “Vai, chama o teu marido e volta aqui.”
“Não tenho marido”, respondeu a mulher.
Jesus lhe disse: “Falaste bem: não tenho marido, pois tiveste cinco e o que agora tens não é teu marido; nisto falaste a verdade.”
A mulher chega ás confissões: fala do dispêndio de energia da sua neurose, ao lhe exigir repetidamente o retorno à fonte paterna. Fala dos sucessivos maridos, tentativas frustradas de saciar a sede libidinal. Cinco homens que não conseguiram entrar no papel de “marido”, a fixação neurótica cobra sua dívida pela vida afora. Aparentemente, estava cheia de boas experiências nutridoras….mas, no fundo, vazia. Não tenho marido – ainda não consegui fazer de um homem meu marido. As exigências da neurose, narcísicas e totalizantes, fecham o caminho para que uma relação seja satisfatória. Homem algum consegue mitigar a sede intensa do arcaico, a idealização da relação paterna impede.
Hoje, a cultura também promove a “histerização” do afeto, ao vender o amor romântico idealizado como bem possível, comprável como um automóvel. Por isto assistimos a constantes trocas de “maridos”, sempre na busca de que haja um que sacie melhor a sede. Toda sede libidinal, existencial é colocada nas costas de um relacionamento, sobrecarregando-o e impedindo o trabalho mútuo de ajustamento e satisfação possível. Sexualidade sem espiritualidade transforma os poços disponíveis em oásis disputadíssimos, que acabam sendo destruídos na ânsia de cavar fontes. Como diz Jurandir Freire Costa:
Justamente porque foi colocado nesse lugar exorbitantemente idealizado, pedimos ao amor o que, um dia, pedimos a Deus, e fizemos do parceiro da relação amorosa uma espécie de substituto da Dama da cultura cavaleiresca ou das Formas Eternas e Perfeitas da metafísica grega. Como ninguém consegue preencher a contento tais papéis e funções – a não ser precariamente e por um pequeno período – as expectativas idealizadas são sempre frustradas e o resultado é a oscilação netre a total descrença na possibilidade de amar e um culto cego ao romantismo…”(1999, p.101)
Podemos listar, a título de exemplo, cinco tipos de “amores” que as samaritanas de hoje desposam. Erich Fromm e Jurandir Freire Costa os comentam:
1. Amor-equipe – o casamento é visto como uma organização, onde se aprende a evitar atritos e a tolerar. Dá-se receitas de elogiar mutuamente, facilitar a vida um do outro. Mas não há verdadeira intimidade, ambos continuam em profunda solidão, pois não há casamento a partir do centro do ser. É uma aplicação do modelo de gerenciamento empresarial aplicado ao casamento.
2. Amor como satisfação sexual – baseado na crença de que a adequada satisfação das pulsões sexuais conduz à felicidade, ao amor. A ênfase está no aprendizado de técnicas e na performance sexual. Este tipo de “amor” resulta da combinação da teoria psicanalítica com o modelo de sociedade consumista. Felicidade é consumir, e casamento passa a ser um lugar de consumir sexualidade. Neste modelo, a sexualidade plenamente exercida leva ao amor, e não o amor, que lança fora o medo de entregar-se (Hebreus) é que conduz a uma sexualidade plena.
3. Amor-projeção – é o pseudoamor que coloca no outro “amado” certas características próprias. O outro converte-se num depósito de qualidades e defeitos, ficando mais fácil lidar com estas porque estão no parceiro. Facilmente o cônjuge torna-se o “bode expiatório”, e isto produz um certo alívio – “o problema é meu marido, não eu” , “ “eu até quero, mas o meu marido não deixa”. Os cônjuges começam a brigar por minúcias, revelando que a verdadeira questão não é esta, que esta briga de fachada está a serviço da neurose.
4. Amor de endeusamento – muitas vezes vivido como “o grande amor”, assim descrito nos livros e filmes. Consiste em tranformar a outra pessoa em razão de viver, como se nela está tudo que se anseia. Deste modo, nega-se qualquer aspiração própria, sua própria identidade deixa de ser desenvolvida, há uma anulação da personalidade. E quando a ligação é interrompida pelo parceiro endeusado, pode até ocorrer tentativa de suicídio. É a paixão a serviço da pulsão de morte, da aniquilação do eu.
5. Negação do amor – sob o manto do “realismo”, faz-se digressões amarguradas sobre o amor e o relacionamento com o sexo oposto. A mulher reveste-se de completude, nega sua carência e necessidade de parceria, e assume uma armadura defensiva que inclui a ridicularização do amor. Bloom comenta que muitas abordagens feministas acabam caindo nessa armadilha, típica também da mulher fálica de Freud.
Félix Guattari e também Jurandir Freire Costa relacionam que o ideal do amor romântico é parceiro do capitalismo, pois para fazer as pessoas desistirem de lutar coletivamente pelo bem comum, e passarem a ser meros consumidores e força de trabalho, foi necessário trabalhar sua subjetividade, mostrando-lhes o deus-amor romântico como crença básica.
Com esse conceito de felicidade estreito, dizem os realistas, tira-se o valor dos que optam por ficarem sós, dos que se dedicam mais a causas coletivas. São vistos como anormais, seres de quem desconfiar, sem lugar na sociedade.
Jovens e adultos completamente ocupados em conseguir o parceiro amoroso ideal são bons consumidores e péssimos cidadãos. Isto lembra de Freud, quando falava da mulher impossível de tratar em análise, pois ela não abriria mão da “lógica da sopa e dos argumentos de bolinhos”, isto é, não abre mão da transferência amorosa e da busca do príncipe encantado.
E Jesus elogia o esforço de dizer a verdade – na presença dele, pode-se abrir nossas tentativas frustradas. Novamente é o abrir a crise que possibilita a mudança.
Tanto em Freud como em Jesus, já apontava Pfister, há este encorajamento de buscar a verdade, e assim conseguir romper as amarras.
O DESVIO
19 Disse-lhe a mulher: “Senhor, vejo que és um profeta. Nossos pais adoraram neste monte, mas vós dizeis que em Jerusalém é que se deve adorar.”
A mulher tenta um desvio obsessivo-compulsivo, tão freqüente nos nossos rituais religiosos: perante o gozo intenso, a tentativa de intelectualizar, racionalizar. A intensidade do afeto convida a sair do plano da sede existencial, da cura psicológica, para a explicação racional.
Muitas formações religiosas derivam daí, já dizia Freud. E Jesus sempre de novo alertava para que se buscasse a simplicidade do coração, a capacidade infantil de acolher a fé. E é neste sentido que Ele responde à mulher, chamando-a de volta à essência.
A BOA NOVA
21-24. Jesus lhe disse: Acredita-me, mulher, vem a hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai.
Vós adorais o que não conheceis;
Nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus.
Mas vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores
Adorarão o Pai em espírito e verdade;
Pois tais são os adoradores que o Pai procura.
Deus é espírito
E aqueles que o adoram,
Devem adorá-lo em espírito e verdade.
Há outro paralelo com Amós -lá também houve anunciação de dias:
“Sim, virão sobre vós dias
em que vos puxarão com anzóis, e vossas acompanhantes, com arpões,
e saireis pelas brechas, uma por uma,
e sereis relegadas para o Harmon
– palavra do Senhor. (4,2 e 3)
Em Amós, a condenação é ser escravizada numa montanha específica, a caminho da Assíria. Mas Jesus justamente vem anunciar que este tempo passou, que agora já não importa um local específico, nem um ritual específico. Rituais também são como correntes que escravizam. Chega de “podes e não podes”, é hora de “em espírito e em verdade” – adoração e vida a partir de dentro.
Não vale a pena discutir o que passará, como locais e ritos. E, novamente, há a menção do “conhecer” a Deus. Este conhecimento não se faz via intelecto, mas com todo nosso ser.
Boas novas para a espiritualidade, novo tempo para a sexualidade. Nossa mentalidade moderna substituiu a devoção e a entrega sexual pelos manuais de regras. “Pode ou não pode?” é a pergunta que mais se escuta, em vez do chamamento a penetrar no mistério de tornar-se uma só carne. Cantares fala do jardim fechado, convite a entrar nele com todos os sentidos. Convite para a devoção – vejam os místicos da Idade Média – e também para a sexualidade. Caminho que a mentalidade dualista grega quase destrói, ao privilegiar a mente e confundir corpo – dádiva de Deus – com “carne” – mentalidade deste mundo.
A REVELAÇÃO
25-26 A mulher lhe disse: “Eu sei que um Messias deve vir- aquele que chamam Cristo. Quando ele vier, anunciar-nos-á todas as coisas.” Jesus lhe disse: “Sou eu, eu que estou falando a ti.”
O psiquiatra Carlos J. Hernández enfatiza a necessidade da devoção diária com todos os nossos sentidos, todas as nossas emoções, para que todo eu seja perpassado e penetrado pela Palavra de Deus. Este é o processo de matar a sede da alma. Se a devoção tiver o seu lugar, se as emoções tiverem o seu lugar na presença de Deus, a sede existencial, do espírito, será saciada. E, por incrível que pareça à nossa herança dualista grega, a sexualidade integrada ao todo achará seu melhor lugar.
Adorar o Pai, em vez de ficar atrás da água do pai Jacó. Não procurar mais saciar tudo na dimensão humana, pois isto traz decepções e trocas – de maridos, de amigos, de afazeres, de lugares, de roupas – e faz com que se confesse como esta mulher “não tenho marido” – nenhum sacia o que a mulher quer.
Jesus é o Eu sou que nos anuncia todas as coisas – na Sua presença todas as dimensões do nosso ser, criado à imagem e semelhança de Deus, é desvelado. Ele é o Amado por excelência que toca nossas fontes íntimas, já descobriram os místicos da Idade Média. Para Moisés, conhecer o Eu-Sou significou ir ao deserto. E nós? Deixamo-nos transportar para lugares onde Ele vai ser a fonte?
Diz Fromm que o amor só é possível quando duas pessoas se ligam a partir do centro da sua existência, o que exige que cada um viva a partir do seu centro, do seu self. Neste patamar até os conflitos não são prejudiciais, pois estarão trabalhando camadas profundas, servindo para clarear e para aliviar, possibilitando que ambos saiam fortalecidos. isto vale para parcerias conjugais, mas também para amizades, as parcerias vitais.
O perfeito amor lança fora o medo…lança fora o medo de abrir-se, de mostrar seus pontos sensíveis para que o(a) amado(a) toque.
A RESISTÊNCIA
27 Nisso, os discípulos chegaram. Eles ficaram estupefatos ao verem Jesus falar com a mulher; mas ninguém lhe disse “Que procuras?” Ou “Por que lhe falas?”
Nosso lado mais tradicional pode estar se assustando com o rumo dos acontecimentos…sair do usual causa ansiedade, pois abandona-se clichês tradicionais que separam certos assuntos puros e impuros, assim como a cultura da época separava mulheres e homens, samaritanos e judeus. Nosso lado mais zeloso pode tentar impedir o contato de nossos lados perdidos e impuros com a graça de Deus. Assim como os discípulos tentaram impedir as crianças – nosso lado afeto – também censuram que nosso corpo e sexualidade sejam tocados pela espiritualidade. Tal como a resistência e a repressão da psicanálise, querem impedir que a pulsão traga à tona o que é precioso.
A ANUNCIAÇÃO
28 a mulher, então, largando o cântaro foi à cidade e disse ao povo: vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Nào seria Ele o Cristo? Eles saíram da cidade e foram ter com ele.
Ela deixou o cântaro…a sede inicial já não é a mais importante. E nós? O que viemos buscar aqui? Temos abertura para que Jesus nos retire do nosso caminho cotidiano? Largamos o cântaro carregado de sedes e aspirações humanas quando encontramos a água viva de Jesus?
Ela disse ao povo…vinde e vede……
Será que convidamos nosso lado “povo”, nosso lado infantil, a sair da cidade fortificada da alma e a buscar Jesus? Será que deixamos que Ele nos mostre o amor que mata a sede? Ou O procuramos para que nos dê os sonhos infantis, da nossa cultura capitalista, os do “pai Jacó”? O quanto nossa mentalidade eclesiástica está contaminada com o modelo individualista de amor romântico erigido nos últimos séculos, substituto da crença em Deus, do sonho coletivo de vida feliz?
A REUNIÃO
30 Eles saíram da cidade e foram ter com ele.
Ela trouxe seus sonhos-maridos da infância para um encontro ao pé da fonte de água viva – Jesus.
Como diz Kierkegaard: Como se poderia verdadeiramente discutir o amor, se Tu fosses esquecido, ó Deus de Amor, fonte de todo amor na terra e nos céus, Tu que nada poupaste e que tudo deste em amor, Tu que és o amor, de tal sorte que alguém que ama só é o que é estando em Ti.
Talvez nunca tenhamos parado para pensar sobre o conceito de amor que carregamos, os desejos que depositamos nos relacionamentos humanos. Sobrecarregamos a fonte de Jacó, e depois nos queixamos que ela seca.
Segundo Houston: A compreensão cristã do amor humano torna-se possível graças à primazia do amor divino e sua manifestação sob a forma do perdão e da reconciliação. Como Deus nos amou primeiro, o desejo de amor no cristão não é fruto de uma carência, e sim da própria experiência do amor.( ibid,p. 67)
Estamos vivendo uma época em que talvez seja possível fazer rearranjos – na Idade Média, o gozo místico exigia a renúncia ao amor terreno. Na idade Moderna, o amor terreno exigiu a renúncia do aspecto místico. Nestes tempos pós-modernos que já não aceitam dualismos e exclusões, talvez seja possível viver o místico e o erótico, como dimensões complementares.
Esta experiência do amor – Se conhecesses aquele que te pede água – se realiza na devoção, no encontro a sós com Deus, e a partir deste,acontece o encontro conosco mesmos. Significa deixar que Ele implante em nós uma fonte inesgotável, que a faça jorrar, possibilitando amar- somente então poderemos ter a capacidade de amar e sermos amados(as). O amor humano será um jardim que simbolizará e atualizará esta fonte eterna, dará sombra e adubo para que possamos crescer na graça e dar frutos.
Sexualidade com espiritualidade, sexualidade como símbolo da espiritualidade – a noiva e o noivo, Cristo.
Extingue os meus anseios,
Porque ninguém os pode desfazer;
E vejam-te meus olhos,
Pois deles és a luz,
E para ti somente os quero ter.
Mostra tua presença
Mate-me tua vista e formosura
Olha que esta doença
De amor jamais se cura,
A não ser com a presença e com a figura.
Ó cristalina fonte,
Se nesses teus semblantes prateados
Formasses de repente
Os olhos desejados
Que tenho nas entranhas debuxados!
Aparta-os, meu Amado
Que eu alço vôo.
São João da Cruz, Canções entre a alma e o Esposo, 10-13
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Karin Hellen Kepler Wondracek,
karinkw@gmail.com