A SABEDORIA E A INTERFACE CRENÇA-CIÊNCIA, por Carlos Hernandez
…Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. O mundo antigo passou, eis que aí está uma realidade nova. Tudo vem de Deus, que nos reconciliou consigo pelo Cristo e nos confiou o ministério da reconciliação. Pois de qualquer forma, era Deus que em Cristo reconciliava o mundo consigo, não imputando aos homens as suas faltas, e pondo em nós a palavra de reconciliação. 2° Cor 5.17 -19 (tradução ecumênica)
Now we look inside, and what we see is that anyone united with the Messiah, gets a fresh start, is created new. The old life is gone; a new life burgeons! Look at it!All this comes from the God who settled the relationship between us and him, and them called us to settled the reationship whith each other. God put the world square with himself through the Messiah, given the world a fresh start by offering forgivness of sins. God has given us the task of telling everyone what he is doing. We’re Christ’representatives. God uses us to persuade men a women to drop their differences and enter into God’work of making things rigth between them. (Eugene H Peterson)
De modo que si alguno esta en Cristo, nueva criatura es; las cosas viejas pasaron; he aquí todas son hechas nuevas. Y todo esto proviene de Dios quien nos reconcilió consigo mismo, y nos dio el ministerio de la reconciliación; que Dios estaba en Cristo reconciliando consigo al mundo, no tomándoles al hombre en cuenta sus pecados; y nos encargó a nosotros la palabra de la reconciliación.
A sabedoria e a interface crença-ciência:
INTRODUÇÃO:
01. Minha relação pessoal com o CPPC fará vinte anos em dezembro. Há um tango que diz: “vinte anos não é nada…”. Parece que foi ontem o encontro na Universidade Metodista de Piracicaba. Minha intenção fundamental durante este tempo tem sido “compartilhar uma caminhada”. Uma caminhada na qual tenho sentido a proximidade de amigos muitos queridos e a Presença Espiritual de Jesus Cristo.
02. Sinto que sou um homem de uma fé simples, que mora com uma mulher incrivelmente bela e misteriosa, em uma casa onde nasceram quatro filhos. Artesão nos mistérios da psicoterapia, com uma procura insólita: meditar sobre a “fronteira”, não sobre os países; “a pele”, não o corpo nem a alma. Desta meditação prolongada, sustentada com muita ansiedade e angústia, vou extraindo alguma conclusões.
03. Foram anos que passaram por sendas não imaginadas, por milhares de kilometros brasileiros. Desta longa viagem, que é uma “peregrinação”, extraio que: “a crença não é oposta à ciência, mas ao apego do olhar. Que a graça não é oposta ao esforço, mas ao querer, através dela, obter ganhos. Que o compromisso verdadeiro não é sustentado pela confusão mental, mas pela VISITAÇÃO”.
04. Quando cheguei ao CPPC, tinha percorrido vinte anos numa aventura onde me sentia como um franco atirador. Os crentes descriam da ciência e os acadêmicos zombavam de minha fé. Nestes tempos de deserto, o CPPC foi um oásis. Nas reuniões podíamos discutir temas científicos, confessar nossa fé, orar e cantar. Deste modo fui conhecendo amigos e com eles aplacando meu ressentimento.
05. Entendo por SABEDORIA, tudo aquilo que habita no homem e na mulher, que os ajuda a aprender a suportar os fracassos da ilusão; que os instiga a viver coma tensão própria da vida com coragem; que os desnuda de toda a pretensão de soberba; que os acompanha na última despedida, ajudando-nos a soltar a mão daquele à qual se havia aferrado como o bem indispensável para viver.
06. Depois de quarenta anos de trabalhar artesanalmente no labor psicoterapêutico, como uma “conversação” privilegiada, de alguma forma – de tal forma que a denomino “conversação psicoterapêutica”. Que é privilegiada porque se tem consciência do poder generativo da linguagem. Este poder generativo ressalta a realidade de que a conversação é superior à linguagem, a qual é vivenciada como imperfeita e insuficiente.
07. Logo esta “conversação” compreende a psicoterapia como cuidado, não como manutenção; como arte, não como tecnologia; como um peregrinar, não como nosologia. Portanto a terapia seria um processo espiritual que procuraria reunir crença e ciência. Deste modo a conversação terapêutica desembocaria na sabedoria, ou seja, a conversação terapêutica se constitui numa interface, numa fronteira.
08. Uma característica essencial desta interface ou fronteira é que ela é vivenciada com uma tensão particular: o estrangeiro ou estranho está diante de nós interpelando-nos. Chegamos a este lugar fronteiriço e agora devemos responder para nos constituirmos como sujeitos de uma identidade. É então que percebemos uma tensão, a qual, ao intensificar-se, torna real nosso vínculo com a pessoa que está à nossa frente. Por muitos anos os psiquiatras foram chamados de “alienistas”.
09. Neste trabalho não analisaremos a crença nem a ciência, mas a interface ou fronteira que mulheres e homens temos construído com medos, burocracias, ameaças e algum outro sabor inquietante. Na interface a comunicação se dá em um meio de tensão. A comunicação que é uma “através”, um “entre”, ou seja “conversação”.
10. Neste ir e vir desta virtualidade construída, que é a fronteira ou interface, o percorrido se faz com uma “intensificação” da tensão. Intensificação que marca o ponto culminante do “estranho” entre dois idiomas que se confrontam. A possibilidade de suportar esta intensificação é o começo da “tradução”, o salvo-conduto imprescindível para a imigração.
11. Como poderíamos descrever “a intensificação da tensão” na zona de interface? Este é o propósito deste trabalho. A interface em si mesma denuncia a “complementaridade” dos pólos que limita. Em outras palavras, existe uma tensão que mantém dois marcos de referência diferentes, todavia necessários para configurar a realidade, portanto, a tensão é essencial na descrição da situação.
12. A intensificação da tensão não leva a uma ruptura, mas ao estiramento de uma corda, que ao estar retesada, desperta sons harmônicos. A tensão denuncia uma complementaridade. Portanto entende-se por complementaridade a relação lógica entre duas descrições aplicáveis a um fenômeno simples que, ainda que sejam mutuamente excludentes, são necessários para uma descrição compreensiva do fenômeno mencionado.
FUNDAMENTOS ESTRUTURAIS:
13. Modos de relação ente crença e ciência. (O permanecer)
13.1 Relação co-exaustiva e de mútua exclusão
13.2 Relação de completude e de igual necessidade
13.3 Relação de assimetria e de sinalização
13.4 Relação de categorização universal e particularização concreta
13.5 Relação que se expressa no amor e se afirma na liberdade
(a) Fatores que tendem a obstruir a “intensificação da tensão” na relação de complementaridade. Desta forma a tarefa tende a tornar-se rotineira.
(b) Experiências de “intensificação da tensão”. Este acontecer, vivenciado na conversação, que mantém diferenciados ambos marcos conceituais na fonte da criatividade.
a. Relação de complementaridade: co-exaustividade – exclusão mutua:
Neste caso o relato intenta falar da origem, buscando uma explicação exaustiva do amanhecer do universo. Na linguagem da crença existe um princípio criador que originou a vida do nada. Na linguagem da ciência existe um princípio de organização – por exemplo: o big-bang. Em ambos marcos conceituais há uma procura exaustiva de uma teoria unificada da origem do universo – pó isso o neologismo: co-exaustiva.
Entretanto esta procura pelas origens é, ao mesmo tempo, “mutuamente excludente”. A crença se apóia em um texto sagrado; por outro lado, na ciência o texto vai sendo construído na medida que o conhecimento avança. Portanto os textos são mutuamente excludentes.
Desta forma, na interface: crença-ciência existe uma tensão provocada pela polaridade complementaria co-exaustividade/exclusão mútua. Estes pólos não são outra coisa que marcos referenciais diferentes, os quais ensaiam diferentes abordagens para conceituar a origem da realidade. É “através” desta tensão que as linguagens mostram sua insuficiência, a qual gera o “incremento da tensão”.
Entretanto a insuficiência da linguagem se ativa em sua capacidade generativa quando uma conversação entre ambas vertentes do conhecimento é desenvolvida. A linguagem, ativada pela participação de pessoas com pontos de vista diferentes, desenvolve a capacidade de co-construir novas significações sobre a origem, com as quais se supera provisoriamente a insuficiência da linguagem descrita anteriormente.
… Transparência: é a manifestação da unidade eternidade/existência na transfiguração do humano na inerente relacionalidade do espírito. Transparência é a manifestação unificada da relacionalidade dinâmica na transfiguração do humano (mulher/homem) em espírito. Ele é inerentemente relacional; busca a unidade sem dissolução nem confusão.
OBSTRUÇÃO: quando se pretende que o ponto de vista da crença sobre a origem seja adotado literalmente pela ciência ou vice-versa, que a crença repita uma construção conceitual da ciência. Deste modo se excluiu a tensão que origina a mutua exclusão, provocando linguagens híbridas ou sincréticas. Por exemplo: quando se fala do “átomo rosado”.
A. O desespero humano último é uma narrativa co-exaustiva, porque a existência e a eternidade mutuamente se intensificam. É uma condição de total desespero porque não existe absolutamente nenhuma alternativa. É uma condição humana fora da fé. É uma “dis-relação” em uma relação que relaciona a si mesmo, a seu próprio self e é constituído pelo outro, de tal modo que a “dis-relação” reflete a ele mesmo infinitamente no Poder que o constitui.
B. Quando a relação existência/eternidade é alcançada com êxito, como uma unidade bipolar, a relacionabilidade do self é fundada de forma transparente no Poder que a sustém. A relação chega a um terceiro termo positivo. É, em termos científicos, uma evidência.
b. Relação de complementaridade entre completude e igual necessidade:
Neste item se analisa o papel complementar entre crença e ciência, na tarefa de construção da realidade. Tanto a crença como a ciência desenvolvem uma visão completa do mundo. A tensão se cria quando, apesar da completude que cada ponto de vista expõe, torna-se necessário recorrer à linguagem conceitual do outro ponto de vista.
Na afirmação de fé em um texto sagrado, apesar da imensa riqueza de significados que contém, freqüentemente se faz referência à variante lingüística de uma palavra. Deste modo a crença necessita da ciência. A tensão estará delimitada pela quantidade de importância que seja atribuída a esta necessidade.
… A lógica nunca pode ser levada a identificar-se com a realidade, mesmo quando seja usada como uma ferramenta que elimine os obstáculos para abrir possibilidades ou estabelecer significados. Por outro lado, um conhecimento totalizador da realidade não deve ser considerado uma posição “ANTILÓGICA”, mas uma intenção que uma em si mesmo a plenitude de um relato racional da coisa, com um relato do compromisso passional do investigador, que transcende a coisa investigada.
OBSTRUÇÃO: a compreensão da realidade se realiza com uma linguagem d crença ou uma linguagem científica, completando, com cada linguagem, todo o relato. Desta forma surgem condutas preconceituosas e dogmáticas. O literalismo bíblico (inerrância) é uma forma, na crença, que rejeita a necessidade dos conhecimentos científicos sobre o texto. Algo semelhante ocorre com a rejeição da psicanálise na pastoral ou a rejeição da psicanálise de qualquer citação de crença.
c. Relação de complementaridade entre assimetria e sinalização:
Em diferentes situações conversacionais, a importância que adquire a linguagem da crença pode delinear um papel dominante; da mesma forma em outras situações, esse papel pertencerá à linguagem da ciência. Todavia em uma situação de inferioridade, a linguagem conserva seu valor para assinalar aspectos essenciais da linguagem dominante. A este fenômeno Polanyi denomina de “controle marginal”. A tensão aparece, por um lado, como um “suportar” um peso de poder e, por outro lado, como uma tentação de domínio.
OBSTRUÇÃO: Nega-se adotar um papel subordinado coma conseqüente perda da função de sinalização ou, por outro lado, se exerce um poder de censura que pretende expulsar toda dissidência.
d. Relação de complementaridade entre a categorização abstrata universal e a descrição concreta do particular:
Todo o esforço científico está a serviço do indivíduo concreto e singular – somente assim construímos um mundo habitável. Esta afirmação não nega a necessidade de códigos imprescindíveis para nos relacionarmos num mundo cada vez mais complexo. Na interface destas duas situações, estamos vivendo um claro incremento da tensão própria que surge entre a pele e a máquina. Um exemplo é o que se denomina de aceleração da temporalidade.
Jesus Cristo ‘a atualização do universal no particular, mas também a existência humana particular a que suporta (bearer) o universal eterno. “Only through deeply indwelt particularity is universality”. A fragmentação da “particularidade” humana e a impotente alteridade do universal, como fenômeno negativo. A existência, a possibilidade: o particular. A eternidade, a necessidade: o universal. Propriedades comuns – propriedades conjugadas (quando não se dão surge a dissociação).
… É unicamente nas propriedades comuns que temos em Jesus Cristo, Deus – homem, em quem a existência e o universal estão unidos em uma perfeita e diferenciada unidade assimétrica. Por outra parte é impossível para o indivíduo afirmar a existência na fé, sem simultaneamente afirmar o eterno, o acesso universal à graça que é precedido pela fé. O último abismo é negado pela graça. Transformar integrando a negação.
I – do negativo ao positivo
II – do desespero à fé
OBSTRUÇÃO: A categorização abstrata força o particular de tal modo que os desnaturaliza, ou, o particular se inflaciona de tal modo que nega o valor da reflexão lógica.
e. Relação de complementaridade entre amor e liberdade:
Tanto na crença como na ciência existe uma “paixão pela verdade”. Esta paixão encontra seu canal expressivo natural no amor entendido como “entrega do eu” ou atitude de amor sacrificial, porque renuncia aos apegos imaginários do eu. Amor que se oferece à liberdade do outro, que configura o real.
Do mesmo modo a liberdade assumida responsavelmente é a possibilidade onde o amor pode expressar-se.
OBSTRUÇÃO: O amor imaturo pretende manipular ao outro, coagindo sua liberdade. A liberdade incipiente carece da responsabilidade da entrega amorosa.
14. A descrição destes cinco fenômenos complementários relata a trama da conversação entre ciência e crença. Conversação que se nutre da capacidade generativa da linguagem. Capacidade generativa que por outro lado, requer uma intensificação da tensão que gera a “relação” entre dois marcos conceituais diferentes. O incremento da tensão desperta os núcleos criativos do diálogo, ao contrário, a diminuição da tensão reforça os elementos obsessivos da conversação.
15. No primeiro intento, quando despertamos ao criativo, acedemos ao novo, são os domínios da sabedoria. Ao contrário, quando o diálogo convoca às obsessões, irrompem com toda a força os fundamentalismos. É então que a crença se torna superstição e a ciência dogmatismos. A tensão que suportamos na complementaridade nos previne destas ameaças, mas é o incremento da tensão o que nos fortaleça tornando-nos saudáveis.
16. O incremento da tensão supõe o desapegar-nos dos horizontes sensíveis para ingressar na obscuridade noturna do mistério. É continuar um caminho, já não orientado por sinais visíveis, mas por uma orientação que provém da interioridade. É a paixão pela verdade que entalha buracos no imaginário, através dos quais intuímos que o infinito da Graça que iniciou sua vinda. Estes buracos não são outra coisa que a fé, através da qual contemplamos o Rosto de Deus em Jesus Cristo. Fé que tem a ver com o permanecer em uma situação de conflito.
CONSEQÜÊNCIAS PARA O LABOR TERAPÊUTICO
17. Desta forma, a “conversação terapêutica” nasce de um incremento tensional em meio da interface ou “entre” as linguagens da crença e as linguagens da ciência. Neste sentido a “conversação terapêutica” é a encarnação de um conhecimento científico que se coloca a serviço de um indivíduo concreto particular. Proponho considerar esta procura como um processo espiritual.
18. Espiritual é uma “relação” que relaciona, que reconcilia. É o mesmo Espírito que através da Palavra diz: “haja luz”. É o momento onde sentimos, por um instante, que acontece uma realidade nova, que não é outra coisa que o fato de ser habitados pelo Espírito Santo. Esta novidade é a conclusão de um turbilhão de imagens que surgem da máxima intensificação da tensão entre os pólos complementários.
19. A conversação terapêutica transforma a antiga briga entre ciência e crença em uma “dança”. Uma e outra superam as próprias contradições na escuta de uma harmonia que provém de ordens escondidas na graça. Conversações já preparadas desde a fundação do mundo e que silenciosamente um dia transmite ao outro. É “através” destas conversações que se completa um profundo processo de reconciliação.
20. Ainda que a conversação possa ser parte de um processo terapêutico determinado, em cada momento que se distingue algo novo, ressoa a voz do Espírito Criador. É precisamente na novidade que cessa a briga e começa a dança. Dança cósmica que celebra a harmonia Trinitária. Conversação e dança que contam do momento que a eternidade invadiu o tempo, incorporando o criado no seio do Criador.
21. Assim, em lugar da conversação, é a interface – entre o implícito da crença e o explícito da ciência – onde o horizonte marca a linha do amanhecer. Este começo, desde seu próprio início, supera a linguagem conhecida. A conversação terapêutica abre a memória ao que vem, ao novo, a uma distinção corporal que se dispõe a ser visitada pela Presença Espiritual de Jesus Cristo.
22. Levinás disse que Deus usa o rosto do outro para conversar conosco. Seguindo esse autor diríamos que a conversação começa quando aceitamos a condição de ser reféns do outro. É José que depois de chorar começa a conversar com seus irmãos, o incremento da tensão que fez brotar o pranto, ao mesmo tempo habilitou a linguagem da infância, com seu máximo poder generativo: o perdão que reinterpreta a vida.
23. A conversação terapêutica que se inicia com o incremento da tensão em uma bipolaridade complementaria, tem habitualmente a seguinte seqüência:
a) Em um primeiro intento os interlocutores crença/ciência sentem uma profunda confusão na linguagem que utilizam.
b) Um segundo momento acompanha a inquietude por aguardar uma escuta desfazendo a própria confusão interna.
c) Levanta-se um acordo conceitual que articula ambas linguagens o que incrementa a capacidade conversacional.
d) Entretanto a própria conversação assinala limites, metódicos, de abordagem – esta delimitação constitui o real do diálogo.
e) Toma-se consciência de novos desafios, que urgem a uma colaboração multidisciplinar na conversação terapêutica.
24. Na conversação terapêutica é possível distinguir, entre muitos, três estilos:
a) A conversação como cuidado – não como manutenção (averiguação). Aqui a trama conta da transformação da incrustação na intimidade. Conversamos com pessoas que foram derrotadas na luta, feridas, maltratadas, violadas, suportando e expondo suas dores, semelhantes em tudo a nós. A linguagem do cuidado nos leva a bendize-las, falando do bem delas, a relacioná-las com amigos, vizinhos, parentes, companheiros, etc. Deste modo a luta ou a competição impiedosa por espaços se transforma em uma dança, a qual acompanhamos com as novas harmonias que descobrimos em nós mesmos.
b) A conversação terapêutica como arte não como tecnologia. Como qualquer arte, a conversação terapêutica depende do temperamento particular, das disposições, talentos e preconceitos de quem o executam. Os métodos são necessários, mas a eles devemos somar nossos carismas, imaginação para facilitar o crescimento e a vida interior tanto no assistido como em nós. Devemos, portanto, manter o olhar no caminho articular que nos surpreende e que nos faz passar para segundo plano o mapa com qual iniciamos o caminho. Como arte, a conversação terapêutica sintoniza o detalhe das modulações da linguagem mais que as técnicas, ando lugar ao espontâneo e criativo, que recebe ao novo que começa a chegar.
c) A conversação terapêutica como peregrinação, não como nosologia. A surpresa que nos causa o caminho deserto, e o selvagem e indômito próprio do amor é o que gera o que temos descrito como a intensificação da tensão. Neste peregrinar haverá novas relações, transformações de sentimentos, transfigurações de situações, que manterão desperta a aventura do peregrinar. Todavia como todo peregrinar terá sua dimensão eucarística. Como Abraão, que depois de derrotar aos reis, encontra a Melquisedeque, nós, depois de encontrarmos a palavra nova na conversação, nos comoveremos ao descobrir que esta palavra é a Palavra mesma.
25. Acerca dos relatos imperfeitos e incompletos: quando o paciente nos visita com freqüência, vem com um relato perfeito e completo de seu mal estar. A esta intenção se pode opor um relato simétrico da pessoa que atua como ajudador, que responde com um diagnóstico ou interpretação perfeita e completa. Nesta situação creio que não há conversação terapêutica.
26. A conversação terapêutica acontece com um horizonte aberto, ou seja, uma disponibilidade a ser visitado por algo novo que vem, e, portanto, gera um “evento”. Tem a ver com um duplo movimento – por um lado com a imperfeição e incomplitude da linguagem e, por outro, com a capacidade generativa desta; fenômeno ligado à vida mesma. Neste sentido há uma biologia da linguagem.
27. É sobre a intensificação da tensão que o outro provoca em mim do que estou constantemente falando. Minha certificação profissional está ligada à minha capacidade de “suportar” esta intensificação da tensão. E esta situação está ligada estruturalmente a uma relação bipolar complementaria. O CPPC é uma instância para compartilhar a experiências que vivenciamos na relação crença/ciência.
28. Meu primeiro intento foi afirmar um lugar “sagrado” na terapia, entendendo que esta era a conseqüência de um saber científico. O que queria dizer era que o sagrado estava em tensão com o método e o descobrimento da tensão era que agregava maior critério científico à terapêutica. Deste modo o profissional nos exigia tanto n campo da crença como no campo da ciência.
29. Em um trabalho posterior pretendi mostrar a tensão contrária. Eucaristia e sexualidade mostrava a intensificação da tensão na intimidade. A afirmação sacramental da crença nesta “relação de intimidade” com a maturidade de minha entrega corporal. Em ambos trabalhos, o que quis colocar em evidência é a facilidade com que nos comportamos dissociados – não somente os “crentes”, mas também os acadêmicos.
30. A superação da dissociação não é uma tarefa unicamente intelectual, mas que se instala na própria linguagem como fato biológico. É por ela que a conversação terapêutica é da ordem vivencial do perdão. O perdão autêntico é a capacidade de perdoar o que a pessoa nunca pensou em perdoar. A conversação terapêutica é a capacidade de falar o que uma pessoa nunca imaginou falar.
31. É neste sentido que estamos instalados em uma linguagem generativa. Linguagem que nos sustenta na medida que estamos dispostos a abrirmo-nos ao outro complementário e que, além disto, nos habilita a conectarmo-nos à “Relação” que nos relaciona. Este Poder relacional que relaciona a tudo com Jesus Cristo desde a linguagem da crença, chama-se Espírito Santo. A busca da sabedoria sempre foi o tornar-se parente.
32. Então, o que quero dizer é: nem nos fundamentalismos religiosos, nem nos dogmatismos científicos se encontra a sabedoria. Pelo contrário, neles aflora a velha dissociação de uma terra para os homens e um céu para os deuses (Babel). Em troca quero afirmar que é no amor cósmico da Divindade trinitária – amor que é poder criador, sustentador, redentor, poder que atrai a si mesmo todas as coisas criadas – onde habita a encarnação da sabedoria.
33. Neste processo espiritual que se desprende o amor de Deus que não é razão nem método, mas Pessoa; um Deus que cria e sana toda relação. Que nos assiste com o poder de seu Espírito para que compartilhemos cosmicamente com Ele. Que nos convida a nos relacionarmos com o criado, completando como corpo – igreja – a obra de reconciliação de Jesus Cristo (Col. 1:24). Isso é, desfrutar suportando a intensificação da tensão enquanto descobrimos o “com/partilhar”.
34. Quando escuto o desejo intenso da Divindade (Lucas 22:15) e posso privilegiar a resposta com a maior intensificação de tensão que posso suportar, desperto então a vivência eucarística. Nela “padeço” a transformação de todas as transformações que as conversações terapêuticas produziram em minha vida profissional. Este fato real marca a revitalização de todas minhas linguagens.
35. Este despertamento “para a VIDA” requer a organização biológica da “reverência”. Nenhuma vivência pessoal é mais intensa que a “reverência ante a Vida”. É a culminação pessoal da intensificação da tensão da bipolaridade complementaria. “Não vivo eu, mas Cristo em mim”. (Gal. 2:20). É por isso que creio que a devoção diária se enriquece, se nutre e se afirma na eucaristia.
36. ASSIMETRIA E SINALIZAÇÃO – GRAÇA E FÉ:
Entre a Absoluta Unidade do Ser – a Divindade Trinitária – e o ego, estende-se uma bipolaridade que é o eixo do desenvolvimento humano. Este desenvolvimento pode ser visto como um fosso aberto ao redor de um centro: a Absoluta Unidade do Ser, uma dança em torno do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Entretanto, quando o ego é deixado à sua própria sorte, este permanece emaranhadamente enraizado na negação e eventualmente na morte.
O desenvolvimento do eu consiste em incrementar o acesso entre o ego e o centro Divino, não o desenvolvimento do eu per si. Não obstante o ego imaturo da criança pode ter um acesso mais amplo e ser mais maduro espiritualmente que o ego mais adulto com um menor acesso. O clássico esquema de quatro passos do desenvolvimento espiritual é também uma seqüência da intensificação da tensão que se desenvolve em uma relação bipolar complementaria:
(1) Do despertamento
(2) Para a purgação
(3) Para a iluminação
(4) Para a unificação
A fé dá um giro à renúncia radical sem perder a invariável unidade tensional. Pela fé a morte é transformada de uma marca de desespero e sem sentido em um veículo de graça e uma expressão do amor de Deus. Desta forma nossa humanidade estende suas fronteiras porque pela fé o amor vai além do medo da morte; medo que habitualmente restringe os comportamentos éticos e interesses de sobrevivência. Somente quando o científico incorpora sua própria morte é que pode abrir-se à “reciprocidade” da crença. Co – inerente – reciprocidade. O eterno poderia ser buscado dentro dos termos da existência como se fosse algo inerente:
(a) Em uma indefinida extensão
(b) Em uma apaixonada expansão da existência da pessoa.
Amor e liberdade. Dá-se por “suposta” a liberdade para escolher por si mesmo. Liberdade dos laços de autodissociação do desespero. Liberdade de eleger o amor de Deus em Jesus Cristo.
37. Relato: um todo significativo. As partes do relato ganham sentido por sua relação:
(a) Com outras partes do relato
(b) E com a totalidade do mesmo.
O relato não é uma mera sucessão de anedotas, mais ou menos significativas, tampouco uma mera representação que tem que acabar assim. O relato tem uma ordem configuracional e tendencial que o torna plenamente significativo em seu final e em sua conclusão. Daí sua ausência de encadeamento cronológico – portanto no relato não existe linearilidade.
Desta forma, o que acontece no “incremento da tensão” da relação bipolar complementaria é o que narra o relato:
1. Uma narrativa não conclui quando o relato termina, mas a narrativa tem sempre um final aberto.
2. O relato corre o “risco” de uma interação conversacional.
3. Quando a conversação se encerra, não existe só satisfação, mas plenitude nos participantes. “O cálice transborda” – há um sentimento de ser habitado, de haver tido o bastante.
4. Ter bastante significa alcançar uma hipótese sobre o que ocorreu. Hipótese que se sente apta para reinterpretar a própria narrativa. É então que a emoção aparece na consciência, com uma força capaz de sacudir a próprias construções narrativas.
5. A narrativa/conversação mostra sua tensão ótima quando o que se desprende da interação é vivido com coerência e silêncio – “está consumado”.
Os componentes da trama:
1. “Por isso estou assim”, conta uma história cronológica. O sujeito se aferra a uma seqüência lineal de sua temporalidade. Sua intenção é comover ao que escuta a partir de uma estrutura narcisística. É um relato de enfermidades e de médicos.
2. “Por isto estou aqui”, se abre a uma conversação com um final aberto. A partir da conversação que iniciou, tenho uma disposição para revisar minhas construções.
38. Diferentes passos no desenvolvimento humano:
1. A ordem inevitável
2. A eventual emergência da desordem
3. A possibilidade da nova ordem
4. A relacionalidade subjacente em toda forma de ordem e sua explicação.
39. Diferentes passos no desenvolvimento humano:
1. Confirmação: holding on
2. Contradição: letting go
3. Continuidade: staying put for reintegration at more mature stage
40. Da culpa à responsabilidade relacional:
“Só podemos colocar a culpa em uma pessoa e essa pessoa é, para cada um de nós, o outro”. O discurso da culpa individual é divisivo. Quando eu me situo na posição de virtuoso e onisapiente, situo ao outro na posição de imperfeito, submetido a meu juízo e construo o outro como objeto de escárnio, como sujeito de correção, enquanto eu sigo sendo elogiável e poderoso. Deste modo afasto o outro de mim (um estrangeiro para mim). Dentro da tradição ocidental, a reação normal frente a isto é a hostilidade.
1. A importância da expressão pessoal. Falar de forma pessoal mais em conceitos abstratos. Usar uma narrativa para expressar-se – isto gera imagens e desta forma gerar aceitação. Evita-se a resposta: está equivocado.
2. Reafirmação do outro. Reafirmar é encontrar na expressão do outro algo que possamos prestar-lhe nosso apoio e acordo. Reafirmar é conceder valor, respeitar a validade de minha subjetividade. Mantenho uma abertura no que diz respeito aos fundamentos ideológicos do outro, sua realidade, suas crenças e experiências. Respeitar ao paciente implica trabalhar com humildade frente a ele e ter a convicção de que o que vai dizer merece ser escutado.
3. A ação coordenada – um convite a improvisar. Começamos a conversar de forma espontânea sobre muitas coisas: filhos, empregos, gostos, etc., “enquanto comiam”. O diálogo transformador prospera graças aos empenhos de coordenação mútua. D.D. – coordenação “tanática” = diálogo que conduzem às brigas e guerras. Coordenação incrustada = repetição de antigo intercambio, a interdependência tem sedimentado a repetição. Coordenação co-constitutiva, os movimentos de uma pessoa confirmam e reafirmam ou refletem os da outra. A resposta do outro nos aproxima e ao faze-lo me convida, ao mesmo tempo, a responder-lhe metonimicamente (uma parte pelo todo – ex: bandeira).
4. Autoreflexividade: a promessa do polivocal. Somos constituídos como se fossemos um si mesmo singular e coerente. Em lugar disto, podemos reconhecer múltiplos sistemas, os quais são notoriamente simultâneos. No momento que digo o que penso ou expresso o que creio, sufoco o coro dos negadores internos. Quando sou consciente disto, abre-se a possibilidade de manter outras conversações distintas das destinadas a defender as diferenças.
5. A co-criação de novos mundos. A conversação necessita de “momentos imaginativos” nos quais os participantes se unifiquem em novas visões da realidade. Estes momentos imaginativos são a sementes, por um lado, da co-construção de novas realidades e também do cessar da luta e o começo da dança. Deste modo os antagonistas suspendem temporariamente suas divergências para somar-se a um esforço que conta com o apoio de ambos.
41. Características da conversação terapêutica. Esta é o instrumento fundamental para produzir nos participantes a reflexão sobre si, que possa criar novos significados e novos comportamentos. Quando se dá uma relação de conversação, os interlocutores vão incorporando significados cuja interação comunicativa irá produzindo transformações intersubjetivas da realidade. Todas as demais atividades quer se chamem semiologia, clínica, diagnósticos ou interpretações, estão subordinadas ao processo mútuo da conversação. A conversação supõe um processo criador de significados e de condutas.
42. PALAVRAS CHAVES: interface, fronteira, intensificação da tensão, criação, construção, transformação, transfiguração, bi-polaridade complementaria, reverência, eucaristia, cuidado, manutenção, arte, peregrinação, conversação terapêutica, poder generativo da linguagem, insuficiência, incomplitude, assimetria, refém, luta, dança, harmonia, Divindade Trinitária, devoção, encarnação, categoria, indivíduo concreto singular, crença, ciência, sabedoria, dissociação, fundamentalismos, dogmatismos, biologia, visitação, intimidade, amor cósmico, com/partilhar, desejo intenso, o novo, acontecimento, Vida, perdão, obstrução, liberdade, permanecer.
GRATIDÃO: tudo o que tenho feito nestes últimos vinte anos tem a ver com Ageu, Catito, Sergio Franco, Heres, Gláucia Medeiros, Gláucia Redondo, Karin, Rogério, Almir, Richard, Miguel Angel, Cássio, Dagui, René, Uriel Heckert, Urias, Osmar, Burki, Daniel Schipani, Loder, Marisa, Dina, Sergio Pereira, João Leite, Fabio Damasceno, Claudio Rivera, Nelly Alicia, Emilio, Noemí, Ester, Bárbara, Ellens, Esly, Teresita, Carla, Ernesto, Nolberto Espinosa, Izar Xauza, Carlos Bonino, Lalo y Luiz Perez Seggiaro, Talita, Antonio, Zenon, Florencia, Melchor, Humberto, Newton e muitíssimos mais que nestes momentos de emoção e arteriosclerose não vem à memória, minha esposa e meus filhos que suportaram muitas coisas para que eu pudesse viajar, sonhar e elaborar algo de coerência e muito de loucura.