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A RELIGIÃO E SEUS DESTINOS – FEIRA DO LIVRO 2003, por Karin Wondracek

Artigos e Notícias

A religião e seus destinos – FEIRA DO LIVRO 2003[1]

                                       Karin Hellen Kepler Wondracek

A paráfrase com o título freudiano sobre os destinos das pulsões não é acidental – mas tem um percurso que passa em Zurique, pelo gabinete do pastor e psicanalista Pfister.

Em 1914, Pfister publica O método psicanalítico, prefaciado por Freud – e lá defende um conceito de pulsão que difere de Freud. Para Pfister, a pulsão não é, como para Freud, uma energia sexual na sua origem – é uma energia que se manifesta em várias formas – sexualidade é uma delas, mas espiritualidade também é uma forma de manifestação desta energia vital.

Para Pfister, pulsão é um coletivo – sob o qual se expressam desde a força da sexualidade, com a busca do prazer sensorial, a descarga motora, passando pela agressividade, com sua pulsão de morder, de triturar, – estas seriam a forma “toupeira” de expressão da pulsão.

Mas, na outra ponta, a pulsão tem a forma “águia”, não como sublimação da pulsão originária, mas como expressão direta deste feixe pulsional – que nas alturas congrega expressões da busca da liberdade, da estética, da cultura, e da religião.

A religião, para Pfister, é uma pulsão – e a partir desta ótica gostaria de tecer alguns pensamentos. Como pulsão, pode ter vários destinos:

– pode ser reprimida – simplesmente desalojada da superfície da consciência, e alojar-se em profundidades do inconsciente. Pode ficar ali, bem segura pelos núcleos já abrigados no inconsciente.Mas, também pode haver o retorno do reprimido. E, sabemos por Freud que este retorno pode assumir formas bizarras:

–     retornar na forma histérica – como em alguns cultos que sobrevalorizam transes e êxtases, paralisias e sensações corporais.

–     retornar na forma obsessiva- e temos comportamentos e pensamentos obsessivos transformados em rituais cúlticos – privados ou públicos.

–     retornar na forma fóbica – certos objetos de culto, divindades ou inimigos da divindade são demonizados – despertam temor, pãnico – lá estão projetados os impulsos inaceitáveis – quase sempre na forma de sexualidade ou agressividade.

E, se não houve repressão, a religiosidade pode assumir a forma perversa – como tristemente assistimos à prisão de líderes religiosos que castravam meninos para suas oferendas.

A religião também pode retornar associada com outras pulsões – como a agressiva – e então assistimos a caça aos hereges, agressividade legitimada e até recompensada por um ser divino.

Graças a Freud, podemos desmascarar o neurótico, o perverso e o psicótico presente na religiosidade. Mas, será que temos de, com nossas interpretações, promover a varredura da pulsão religiosa da cultura e do imaginário humano?

O pastor e psicanalista Pfister agradecia a Deus pela genialidade de Freud, que lhe possibilitava retirar os ídolos dos átrios dos templos.[2]

Qual então pode ser o futuro da religião?

 

Gostaria de fazer uma associação com outra expressão pulsional – a do amor

Ele também surge de formas tão neuróticas, perversas e doentes, mas nunca houve tentativa séria de erradicá-lo, só porque se mostra doente. Antes, a tentativa da humanidade tem sido no sentido de aprimorar nossa capacidade de amar.

Pfister labutava no mesmo sentido, para a religião – que a psicanálise fosse a “humilde lavadora dos pés da verdade” – limpando as sujeiras que a conflitiva humana aglutinou nas suas devoções.

 

Por isso, a psicanálise tem de continuar varrendo ídolos, sendo iconoclasta, retirando amuletos e rezas fortes e fracas, pilotos automáticos da devoção.

Mas, aí cessa seu papel –

Pfister defendia junto a Freud, e neste artigo publicado na própria revista de Freud – que uma religiosidade purificada e purificadora poderia se ligar ao amor – debaixo do conceito cristão de graça.

O imperativo do amor poderia substituir o imperativo do dever – gênese da obsessão, do recalcamento,.

Não cessamos de amar depois que nos analisamos – antes amamos mais e melhor – Não precisamos parar de crer depois que descobrimos a neurose incrustada em nossas crenças – podemos amar mais e melhor, aceitar mais nossa humanidade com suas ambivalências e falhas – a tolerância para conosco e para com os outros.

A religião mais perigosa, e que deve merecer o controle e a denúncia das autoridades – é aquela que mescla a pulsão agressiva à pulsão religiosa. Esta mescla pulsional gera morte – e não estamos mais nos tempos de Comte ou Darwin, de acreditar que haja uma progressão da humanidade rumo à perfeição. O caos pulsional sempre está à espreita por baixo da casca da cultura, e pode se combinar em formas tão destrutivas como o fanatismo religioso.

É a combinação da pulsão religiosa com a amorosa que transforma até a pulsão agressiva – desta forma podemos entender os depoimentos daqueles criminosos que se tornam doces ao se converterem a uma fé religiosa.

Pfister, ironicamente, está mais próximo do conceito judaico de pulsão – ao menos como colocado na voz do rabino Halévy na fábula sobre as religiões, escrita por Shafique Keshavjee:

“A pulsão sexual e a pulsão espiritual são as duas faces de uma mesma moeda. E essa moeda é aquela que o próprio Deus cunhou. Na carne do ser humano está inscrita uma pulsão biológica e afetiva que o faz sair de si mesmo para acolher um outro, uma outra. No espírito do ser humano está inscrita uma pulsão metafísica e espiritual que o faz sair de seu ego para descobrir o Outro por excelência, Deus. Da mesmo forma que uma mulher pode ficar obcecada pelo rosto de um homem e um homem pelo de uma mulher, Deus é o grande Sedutor que obceca a alma humana. Sem essas duas pulsões que se encontram interligadas, a vida seria aborrecida, centrada sobre si mesma.”

Enquanto os cristãos matavam os mouros em nome de Deus, viveu o cristão Francisco de Assis que,  depois de tentar impedir a realização de mais uma mortífera cruzada, foi pessoalmente ao califa muçulmano. Chegando lá, foi agredido sem revidar, permaneceu preso até que sua conduta chamou tanta atenção que o califa o recebeu. Depois de muitos dias em conversas amistosas, acontece a despedida e a bênção que até hoje perdura entre muçulmanos e franciscanos,

Francisco, admirado por Freud e Pfister.

Exceção entre todos? Quantos anônimos religiosos, de muitas confissões e credos, associaram sua pulsão religiosa com a amorosa, e geraram vida e não morte. Talvez, a única morte, neste nível, seja a do próprio Eu, e até do próprio corpo.

Esta religião tem futuro e gera futuro, porque gera vida. A religião que mais prefere morrer – desde a dimensão simbólica até, se for preciso, na dimensão concreta – esta gera vida – a parábola do grão de trigo – agregada à história da tensão do joio – agüentar o diferente, a tensão das interfaces – como nós, autores diferentes que temos nos unido em torno das reflexões sobre a religião.

Como expressão desta religiosidade, me comovo cada vez que relembro o exemplo do casal judeu messiânico que, em função da sua fé, abriu uma casa para cuidar de órfãos…palestinos. Fizeram-no em nome de Deus.

Todos estes exemplos,

Pfister: Diga-me o que lês de Paulo, que te direi quem és

A religião está quase à mercê do que o sujeito pensa dela – pode ser transformado

Como o  casal de judeus que abriu um lar para menores palestinos – por causa do seu encontro com o messias

Como são Francisco que ficou dois meses sofrendo perseguições

Freud – psicologia das massas – religião coletiva que entrega a superego alheio

Religião do vietnamita que é transformada pela leitura do Livro – história da mulher que morre abraçada na Bíblia –

Religião que mais quer morrer que matar – esta gera vida – o grão de trigo

A tensão do joio – agüentar o diferente, a tensão das interfaces

Religião que mais quer matar que morrer – esta gera morte

O futuro da religião – consumo, narcisismo da religião – exibicionismo

Não fazer para si imagens – o grão de trigo que morre, também morrer certezas

História da mulher que perdeu filha – que Deus é esse?

Abrir-se ao místico, mais que ao dogmático

 

[1] Mesa-redonda sobre O futuro da religião, no Santander Cultural, Feira do

[2] Cf. carta introdutória ao texto-resposta A ilusão e o futuro

Karin Wondracek

karinkw@gmail.com

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