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Nº 36, BOMBEIROS DA CATEDRAL – 2º sem 2004

Boletins

2º semestre 2004, Ano XVII – nº 36
Bombeiros da Catedral

Em visita recente a Londres, tive o privilégio de conhecer a Catedral de São Paulo. Aquele templo gigantesco, um dos maiores do mundo, pertence à Igreja Anglicana, ramo do Cristianismo surgido na esteira da Reforma Protestante do Século XVI.
O número diário de visitantes ali é grande, pois trata-se de local obrigatório, incluído em todos os roteiros turísticos. Os assim chamados Amigos da Catedral recepcionam e orientam o fluxo de pessoas. São homens de meia-idade, ou mesmo idosos, vestindo terno escuro e uma sobreveste de cor grená que os identifica. Lendo o folheto que distribuem, fiquei sabendo que são voluntários, dedicando ali um horário semanal. Suspeito que a maioria compõe-se de aposentados. Muito corteses e amáveis, fornecem informações, acompanham grupos, zelam pelo patrimônio e segurança. Em horários determinados, todas as atividades são interrompidas para que um deles, ao microfone, dê as boas vindas aos presentes, com palavras de estímulo e de fé, seguidas de uma oração.
Tudo isso me alegrou muito. Mais ainda quando li sobre a origem de tal grupo. Ela remonta à II Guerra Mundial, quando os bombardeios sobre a cidade tornaram-se rotineiros. Naqueles ataques eram lançadas bombas incendiárias que causavam destruição em diferentes pontos. Foi quando o primeiro ministro britânico, Winston Churchill, determinou que a Catedral fosse preservada a todo custo, símbolo que é da identidade nacional e da fé que, tradicionalmente, os sustentou. Formou-se, então, um corpo de pessoas dispostas a tal, que se chamou Bombeiros da Catedral. Eram eles homens de diferentes origens e profissões que, após um rápido treinamento, e mesmo contando com equipamentos limitados, colocaram-se em ação. Ao ouvirem soar a sirene que indicava a aproximação dos aviões alemães, deixavam sua segurança e reuniam-se, dispostos a arriscar suas vidas para preservar aquele monumento. Dessa forma, inúmeros focos de incêndio foram debelados, permitindo que o edifício restasse quase intocado.
Ao final do conflito, passado o perigo concreto das bombas, aqueles heróis não se dispersaram, dispostos a continuar atuando. Passaram a denominar-se Amigos da Catedral, e vêm contribuindo para que o espaço seja preservado em sua finalidade de acolher e anunciar a fé cristã. Além do que, como participantes da dinâmica daquela comunidade, por certo têm atuado como “bombeiros”, combatendo “incêndios” de outro tipo.
Foi inevitável que pensasse em minha comunidade local, nas igrejas cristãs do nosso Brasil, nas denominações estabelecidas, nas instituições cristãs em que nos envolvemos. Parece inevitável que focos de “incêndio” surjam inesperadamente no meio delas. São conflitos de poder, desavenças pessoais, disputas políticas, até mesmo improbi-dades administrativas e escândalos morais, fatos que apontam constantemente para a fragilidade do nosso ser, tão carentes que somos de tudo que é Deus. Nesse contexto de vulnerabilida-des e imprevisões que caracteriza as instituições humanas, papel relevante têm desempenhado os “bombeiros da catedral” (ou da congregação, ou da sociedade eclesiástica, ou seminário teológico…). São homens e mulheres, muitas vezes anônimos, que têm contribuído em oração, em gestos e palavras de boa vontade, acalmando os ânimos, abortando conflitos e incentivando o perdão.
Que nunca se oponham ao desejável “incêndio” trazido pelo “fogo do Espírito Santo”.

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Uriel Heckert, psiquiatra e professor universitário em Juiz de Fora, Presidente do CPPC

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