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HERMENÊUTICA E PSICANÁLISE NA OBRA DE PAUL RICOEUR: UMA RESENHA, por Rubem Alves

Artigos e Notícias

Trata-se de um belo trabalho sobre o filósofo francês Paul Ricoeur. Ao lado de Merleau-Ponty, mais conhecido nos círculos intelectuais brasileiros, Ricoeur dá uma contribuição peculiar e criadora ao avanço da fenomenologia. O emi­nente e rigoroso pensador  se destaca como uma das mais lúcidas fontes de esperança para o pensamento filosófico da atualidade. Assim, o lançamento do livro de Sérgio Franco sobre Ricoeur é um even­to digno de nota.

Esse trabalho, originalmente apresenta­do como tese de doutoramento na UNI­CAMP, aparece agora como livro, den­tro da Coleção Filosofia das Edições Loyola, ao lado de “Filosofia Política” de Eric Weil, de “Bergson: Intuição e Discurso Filosófico” do Prof. Frank­lin Leopoldo e Silva da USP, e do livro do jovem Plínio Junqueira Smith “O Ceti­cismo de Hume”, entre vários outros.

O livro de Sérgio Franco, além de ofer­cer uma ampla análise crítica da vida e a obra de Ricoeur, coloca em destaque dois termos fundamentais do pensador francês: hermenêutica e psicanálise. Procura mostrar como a psicanálise é um estilo de hermenêutica, um modo de compreender não apenas a fala humana mas toda a cultura. Como a psicanálise se propõe a compreender o homem a partir do desejo, ela acaba oferecendo subsídios importantes para estudar a articulação do desejo e da linguagem.

O capítulo 3 explora a hermenêutica como a ciência da interpretação dos símbolos. O símbolo é o lugar da dupla ou da múltipla intencionalidade na cultura. Ele possui uma lógica interna que aponta para um sentido mais pro­fundo, que demanda a interpretação. O livro identifica três zonas de emergên­cia do símbolo: os símbolos religiosos no cosmos, as manifetações psíquicas especialmente nos sonhos e a poesia. No que se refere aos símbolos religio­sos faz um longo passeio pelos símbo­los e mitos da cultura helênica e hebrai­ca. No capítulo 4 lida com a psicanálise como discplina que trabalha os símbo­los psíquicos.

 

O passeio pela psicanáli­se não é menos cuidado do que feito nas culturas antigas. A psicanálise é investigada em três momentos: seu surgimento e a formulação da primeira tópica, a passagem para a cultura e o aparecimento da segunda tópica, e por fim as transformações produzidas na teoria pela introdução do conceito da pulsão de morte.

O livro mostra que para Ricoeur há concorrência e até conflito de interpre­tações. O conflito mais importante explorado é entre a interpretação como exercício de suspeita. Nos símbolos do sagrado predomina o primeiro estilo, enquanto na psicanálise como interpre­tação da subjetividade, predomina o estilo iconoclasta. O modo como Ricoe­ur trata este conflito de interptetações é dialético. Ele propõe uma dialética entre uma arqueologia iconoclasta do sujeito e uma teleologia restauradora de sentido.

 

Que vivemos em situaçãode dissimulação e mentira, quando a isto não deve haver dúvida. A hermenêutica da desconfiança tem seu lugar porque a  realidade é fugidia, porque a verdade se esconde, porque a fala humana apenas aponta os sinais e as intenções latentes do incosciente. A peculiaridade do pensamento de Ricoeur, mostra Sérgio, é que para este filósofo esta não é uma situação desesperada. Se há engano, há a possibilidade do acerto, o sentido profundo pode ser encontrado. Não apenas ocultamento, mas revelação. Outra dialética explorada no livro é entre o passado e o futuro. Se Freud sobredetermina o presente pelo passa­do, Ricoeur quer construir uma sobre­determinação do presente pelo futuro e pela esperança também. Neste encontro entre desconfiança e confiança, entre passado e futuro se articula o estilo de Ricoeur de fazer hermenêutica levando em conta a psicanálise.

Um psicanalista poderia talvez se res­sentir da falta de refetrênciaa a autores mais atuais. Na verdade esta é uma deficiência do próprio Ricoeur, que apenas menciona Freud. Sérgio mitiga esta deficiência cotejando a interpreta­ção da psicanálise de Ricoeur com a de Lacan. Reclama ele mesmo de que Ricoeur nunca tenha se tornado real­mente um psicanalista, contentando-se em ser um filósofo da psicanálise.

Roland Barthes diz que há uma fase na vida do professor em que ele ensina o que não sabe: é o momento em que ele simplesmente acompanha a pesquisa dos seus alunos. Estes, os alunos, ne­cessariamente devem saber mais que o orientador. Pois a pesquisa só é neces­sária se ela passa por um caminho ain­da não trilhado por ambos, professor e aluno. Eu não o trilhei. O Sérgio Fran­co o trilhou por mim. E muito aprendi. Todo orientador, no final, deve ser aluno de seu orientado…
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Rubem Alves
Professor titular de Filosofia da Edu­cação da UNICAMP,

psicanalista  e escritor, reside em Campinas/SP.

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