NOITE BEM (MAL) DORMIDA, por Cleydemir Santos
Era para ser uma noite comum. As crianças já dormiam, após lerem os capítulos que vão dar a elas o prazer de terem lido a Bíblia toda em um ano. O relógio já dizia que era hora de dar ao corpo o descanso que merecia depois de um dia de trabalho. Deitamos. Só que entre deitar e dormir a diferença é tão grande que já estão inventando uma máquina de partir comprimido, hábito muito comum nesta hora (como dizia o texto do Uriel). Quem patenteá-la vai ficar rico.
Normalmente não temos dificuldade para dormir assim que deitamos, a não ser que estejamos bem intencionados.
Mas nesta noite, não havia tanta boa intenção assim. Tínhamos os pensamentos envolvidos por uma decisão séria que teríamos que tomar e que mudaria o rumo de nossas vidas e de todos os nossos planos a curto e médio prazo. O futuro chegou mais cedo, constatando mais uma vez que o calendário de Deus é diferente do nosso. Estávamos em oração nestes dias e com a cabeça no travesseiro, algumas idéias vão sendo ruminadas e reorientadas. Mas pouco tempo depois, o sono viria e tomaria seu lugar em nosso cérebro, relaxando nossos corpos e permitindo todo aqueleconteúdo se misturar com nossos projetos, medos, passado, idiossincrasias e bobagens se tornando em lindos sonhos ou confusos pesadelos.
Mas antes disso começamos a conversar. Não foi uma conversa comum dessas que marido e mulher têm sempre, quando falam da família, dos filhos, das contas, do vizinho, do pastor, da liturgia do culto e tantas coisas que nos dão a impressão que o diálogo está acontecendo.
Arriscamos falar de nós mesmos, dos medos que apareceriam nos sonhos, das idiossincrasias que interferem em nossas decisões, das diferenças na gerência de nossos filhos, nas frustrações que temos um com o outro, no egoísmo de nossos planos, do nosso passado que tentamos mais esconder que consertar, de nossas bobagens que já deveriam ter sido vencidas e da dificuldade de discernir a voz do Senhor da voz do nosso coração. Cada um falou de si, e falou do outro, sem aquele fantasma que sempre nos convence a não nos abrirmos um com o outro pois, “tudo o que você disser ao seu cônjuge, poderá ser usado contra você posteriormente, por isso finja que está tudo bem, se omita, dissimule, não baixe a guarda jamais” . Graças a Deus falamos também o quanto nos amamos. Oramos.
Depois tentamos dormir. Aí não teve por onde o sono se aproximar. Internamente estava ainda mais fervilhando do que no princípio. Tentei entender o que estava acontecendo. Por que não dormia? No meio da noite ouvi meu filho caminhar. Lembrei que a lâmpada estava apagada e levantei-me para ajudá-lo. Na ponta do pé para não acordá-la, pois certamente ela já dormia. Acomodei-o e voltei procurando para ver se encontrava o meu sono por ali, na sala ou no corredor.
Ao voltar, mais sutil e discretamente possível, encontrei-a a me olhar preocupada por eu não ter dormido sabendo que ao amanhecer teria que trabalhar. Ela também não dormira ainda.
Percebi que eu estava feliz. Estava com uma excitação que vem da alma, do presença do Espírito Santo em nosso interior, sereno e calmo. Por paradoxal que pareça, foi a paz que me fez perder o sono. Disse isto a ela. Estava feliz, por que percebi que amadurecemos um pouco mais, caminhamos uma milha a mais juntos, naquela noite. Um degrau a mais no projeto de Deus de nos tornar uma só carne. Nos comunicamos e trocamos a intimidade de nossas almas, como deveria ser sempre, sem desconfiança ou receio. A cumplicidade que só vem de uma aliança anterior com o Deus Eterno que ousou confiar a nós a si mesmos através de Jesus, mesmo sabendo que seria rejeitado e crucificado.
A verdadeira intimidade de um casal passa pela graça de Deus. Vem da consciência que não importa outra coisa a não ser a paz que vem do Senhor, que nos permite ver o coração do outro e ama-lo como é, e não como nós gostaríamos que fosse. Ama-lo pelo que é e não pelo que representa para nós. Temos visto muitos casais chegarem perto disto, mas por não gozarem a paz que vem da ação do Espírito Santo, não gozam também da paz da comunhão e companhia do cônjuge. Talvez não precise dizer que encontramos a resposta do Senhor Deus para nós. Discernimos e decidimos. Nas últimas horas da madrugada que dormimos, valeram por longo
Cleydemir de Oliveira Santos,
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Psicólogo Clínico, Pastor da PIBANI, Primeira Igreja Batista Nacional de Ipatinga