SEXUALIDADE E INFÂNCIA por Ageu Heringer Lisboa
A natureza humana é um composto de instinto, cultura e espírito. Nossa sexualidade, longe de estar pronta desde o nascimento, receberá diversos ingredientes que influirão em seu desenvolvimento.
Um potencial genético recebe estímulos sensoriais e modelação cultural. Em si mesma a pulsão sexual é plástica, direcionada ao gozo de múltiplas formas. Neste caso, um diferencial são os valores, algo de natureza filosófica que orienta uma pessoa – o que aprende sobre si mesmo/a, sobre a sexualidade e como exercê-la. Questões que nos remetem também à dimensão espiritual da vida.
Impactos da cultura
Em nosso cotidiano, querendo ou não, estamos expostos a um sem número de incentivos e práticas sexuais. Outdoors, bancas de revista e televisão são onipresentes meios a transmitir imagens e textos, criar necessidades e hábitos, formar mentalidades, reforçar crenças e ideologias. Criam imensos desafios morais e éticos por inúmeros abusos contra a liberdade. Competem com as escolas, famílias e igrejas, outrora as únicas instituições socializadoras.
As capitais do ocidente e áreas do oriente sob domínio da cultura capetali$ta orientam-se se numa direção de um paganismo pragmático substituindo a matriz cultural judaico-cristã.
O triunfante deus-mercado do capitalismo em sua fase pós-moderna consome vorazmente vidas, corpos, religião e a natureza.
Exige uma fria racionalidade funcional, corpos adestrados e nenhuma restrição moral. O único pecado é a redução do lucro dos investidores. Todos os sem-poder competitivo – enfermos, deficientes, crianças, idosos e os países periféricos – devem se contentar com as migalhas que caem do banquete dos ricos ou dos espertos.
As exigências bíblicas de justiça, eqüidade e amor são entraves a este demônio destruidor.
Mas o quê nos preocupa focalmente são as várias ameaças à integridade das crianças e adolescentes neste contexto.
Algumas razões de nossa preocupação: violência simbólica, moral e sexual, privações físicas e emocionais E um número cada vez maior, tendente a ser maioria, de pessoas sem-família.
Conseqüências de prostituição, produção independente, de separações e divórcios em sua maioria mal conduzidos. Muitas famílias vivendo em permanente tensão devido a fatores como desajustes psicológicos, cegueira espiritual, carência financeira.
Relacionamentos familiares cada vez mais mediados pela televisão com perda progressiva da competência afetiva, moral e intelectual de pais e mães.
Um quadro de confusão e insegurança prevalece nas famílias e nas escolas. Pais midiotizados se sentem acuados e despreparados. Esperam que as escolas cuidem dos seus filhos, mas os educadores recusam esta transferência de responsabilidade. E a maioria das escolas não sabe como responder aos novos desafios éticos e psicológicos.
Os tempos e rituais mudaram significativamente em duas décadas. A simples comemoração de um dia-dos-pais ou dia-das-mães suscita dores emocionais em crianças de famílias divididas. Uma vulnerabilidade ameaça geração de crianças sem-pais, sem referências espirituais ou sob uma espiritualidade difusa do paganismo new-age.
Nos bairros de classe média, alunos desrespeitam seus professores reproduzindo a falta ética de seus pais ou simplesmente atuando como vêem nos desenhos e filmes que assistem.
Pensam que o professor vale pouco porque ganha pouco – um fracassado segundo a ideologia do sistema que em tudo aponta o sucesso financeiro como ideal e sinal máximo de valor.
Nas escolas da periferia pobre é a violência explícita, a droga solta, o domínio de gangues. A frustração dos excluídos. E como fica a sexualidade?
Até os anos 60 gerações de adolescentes eram desinformados, inibidos ou reprimidos sexualmente. A partir desta época, disseminou-se a partir do ocidente uma revolução cultural com a explosão das mídias, a globalização cultural, livre experimentação de drogas, sexos e religiões.
Em nosso momento cultural tão permissivo e experimentalista, com o incentivo de qualquer prática, com qualquer parceiro, independente de vínculo afetivo e matrimonial as conseqüências estão aí: aumento das doenças sexualmente transmissíveis –DST-, geração de crianças abandonadas, aumento de abortos legais e ilegais e violência sexual contra crianças. Um efeito perverso e indutor de condutas de risco é uma precocidade na experimentação sexual envolvendo crianças.
Os heróis e mitos criados nos laboratórios de marketing são personagens vazios, falantes de gíria chula, corpos malhados, dinheiro, riso e orgasmo fácil. Sobre isto tem havido algum debate e não são apenas os religiosos que criticam personagens e programas de televisão. Mas existe uma dificuldade para mudar esta orientação hedonista e mercantilista que domina a cultura televisiva em nosso país.
Atrever-se a criticar esta postura é estar disposto a ser tratado como repressor e não-moderno pelo patrulhamento do politicamente correto. Patrulhamento que beneficia a indústria pornográfica e reforça redes de pedofilia.
Tarefas para juristas, pais, educadores e cuidadores de crianças.
Para o enfrentamento desta realidade várias ações são necessárias no âmbito político, jurídico, educacional e familiar.
O ministério público pode iniciar ações junto aos meios de comunicação, sindicatos de bancas de revistas e agências de publicidade visando um acordo que elimine a difusão de material lascivo e pornográfico em locais públicos como outdoor e bancas de revista.
Algo assim aconteceu anos atrás em Belo Horizonte, por iniciativa do vereador Betinho e precisa ser atualizado periodicamente.
Não podemos crer que as próprias redes de televisão devam sozinha estabelecer critérios de autoregulamentação. Assim como todas as instâncias de poder – inclusive o judiciário e as igrejas – necessitam algum controle externo para não se corromperem.
Desenvolver uma cultura para a paz pela educação cidadã através de fóruns de discussão e ações afirmativas.
Prover informação científica multidisciplinar, possibilitar uma compreensão de como funciona a cultura, os jogos de poder. Aprender exercer crítica cultural para que prevaleçam posturas éticas em tudo.
Pessoas analfabetas e desempregadas são mais vulneráveis à violência e abuso sexual. Sem autoestima, crianças e adolescentes se tornam presas fáceis de traficantes e exploradores sexuais.
A população pobre tem o direito a aprender sobre a sexualidade e planejamento familiar e ter acesso a recursos anticoncepcionais éticos. Programa de educação e saúde familiar favorecendo a aternidade/ maternidade consciente quebrará um ciclo de fatalismo e pobreza.
Para as mulheres e adolescentes implicará num ganho de autonomia e redução da violência de gênero que sofrem. Também irá incrementar-lhes a auto-estima.
Outro passo é ensinarmos as crianças a se defenderem de abusos sexuais e violência morais. Compete aos pais e educadores de crianças transmitirem a elas um senso de autodefesa contra atitudes indevidas e abusivas.
Nutrição emocional
Toda criança tem o direito a ser amada e protegida. Isto acontece se recebe nutrição emocional, e é tratada com ternura e respeito, num ambiente tranqüilo.
Nossa identidade psico-sexual é muito constituída por palavras e os significados que elas carregam consigo.
Boas ou más palavras farão diferença na autocompreensão e auto-estima de uma criança sobre si mesma.
Se lha tratam com boas palavras e de bons modos cresce cheia de graça, humor e desejo de viver, é abençoada, confiante e segura.
Se estiver exposta a más palavras ou mal-ditos e ditos de maus-modos como xingamentos, apelidos depreciadores, gritos ofensivos, sua vulnerabilidade ao adoecimento aumenta.
Se introjetou o mal-dito ( a maldição) terá mais dificuldades para viver, lutando com a depressão.
Igualmente se sofre castigos físicos, ameaças, se é usada eroticamente, vivenvia isto com horror, perde a confiança nos outros, em si mesma, na vida. Isto por ainda não dispor de recursos intelectuais críticos e ser emocionalmente imatura.
Daí ser extremamente imperativo que seja objeto de aceitação e afirmação. Certamente o segredo do vigor interior de Jesus, enquanto criança, adolescente e homem foi o fato de ter sido amado por pais humanos.
Recebido e adotado por José, amado por Maria, cresceu aprendendo um ofício com o pai José, figura central a lhe conferir filiação.
Quando adulto, ao ser batizado por João Batista, recebe também outras palavras abençoadoras, a declaração de amor do Pai “ao Filho em quem tenho prazer”.
Podemos e devemos dizer aos nossos filhos de todas as idades, em diversas circunstâncias e modos, que os amamos e que são lindos e que nos dão alegria e assim por diante.
Abençoemos nossas crianças, e todas as crianças! Delas é o Reino de Deus.
Identidade e autodefesa sexual
O senso de identidade psico-sexual é construído desde o nascimento pelas atitudes da mãe e do pai, na amamentação e cuidados de higiene, no brincar e alimentar.
Elas constroem um quadro dos relacionamentos do casal, de como se tratam ou se matam. Tem muito forte uma percepção e inteligência não-verbal que as organiza psiquicamente.
O ambiente, a estruturação e a dinâmica familiar indicarão à criança valores sobre o corpo e a sexualidade.
Assim ela poderá aprender descontraidamente acerca de diferenças sexuais, vendo o pai ou a mãe no banheiro ou trocando de roupa. Mas se este pai ou mãe são vergonhosos em excesso e cheio de dificuldades com sua própria sexualidade, a criança poderá captar estas dificuldades e assimilar a mesma dificuldade.
Se os pais são permissivos sem limite e exibicionistas, dos que assistem filmes pornôs e estão interessados em “casas de artistas” igualmente são perniciosos.
Por volta dos quatro anos de idade as crianças já demonstram um certo pudor, querem tomar banho sem ajuda, ou fazer cocô com a porta do banheiro encostada. Bom sinal. Aos poucos também se tornam inconvenientes banhos compartilhados com outros. Cada um aprende a fazer sua higiene e a se trocar.
De tempos em tempos surgirão perguntas sobre como nascem bebês. As respostas devem ser claras, verdadeiras e sobre o que está sendo perguntado, não além nem aquém.
A criança tem direito aos fatos sobre sua origem. Meu pai é meu pai mesmo? Minha mãe não será outra?
Meninos e meninas por volta dos cinco anos já devem saber das menstruações da mamãe, e que mais á frente passarão pela puberdade, com suas modificações corporais.
Deverá saber que seu corpo foi formado por Deus de forma maravilhosa, é bonito e sagrado. E aprender a não permitir a intromissão de ninguém sobre seu corpo e seus genitais.
Instruções claras: apenas mamãe, papai, vovó/vovô e alguma tia de confiança poderão lhe tirar roupas ou dar-lhe banho.
Também permitido a enfermeiras e médico/as nos exames e tratamentos, com a presença de um responsável.
Que ela tem o direito de dizer ou gritar NÃO para quem lhe oferecer vantagens – balas, dinheiro, briquedo – se deixar pegar no piu-piu (pênis) no bumbum e na xoxota (vagina) e sair de perto imediatamente.
Falar que ela pode e deve gritar NÃO! ou SOCORRO! se alguém a constranger a beijar ou tocar nos genitais. Criança instruída se defende melhor.
Estas recomendações se justificam como atitudes preventivas contra abuso moral, emocional e sexual que infelizmente são bastante comuns. Não estamos mais na era da inocência. Não podemos ensinar nossas crianças apenas a serem boazinhas. Jesus nos autoriza a autodefesa, a não sermos apenas, mansos, inofensivos como as pombas, mas também astutos como a serpente.
Ageu Heringer Lisboa – Psicólogo
Pai de seis filhos, autor do livro Sexo, desnudamento e mistério, Ed. Ultimato.
Psicoterapeuta desde 1975, assessor de ONGs sociais, fundador do CPPC – Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos, coordenador da SALUS – Rede cristã de profissionais da saúde.
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