UM PASTORADO DA SEXUALIDADE, por Karl Kepler
Para os pais, mães, “tios e tias” da nossa koinonia (e outros irmãos e irmãs que lidam com adolescentes e jovens cristãos), pensando em Filipe, Rafael, Melina, Mariana, Pi, Pedro, Gabriel, Léo, Larissa, Débora, Nicholas, Gui, Júlia, Bibi, Lulu, Isadora, Leonora, Antônio e outros quantos o Senhor nos der.
Um Pastorado da Sexualidade
Contribuições da Palavra de Deus para iniciar – e não para terminar – um diálogo cristão sobre sexo
1. A Beleza da Sexualidade
A Bíblia utiliza várias vezes a sexualidade como um modelo para a espiritualidade, para o relacionamento com Deus. O livro de Cantares nos fala da beleza da atração homem/mulher. A relação sexual foi criada por Deus para acontecer nesse meio: para expressar a aceitação incondicional e desejada do outro, num clima de total confiança (tanto que podemos nos despir de tudo), celebrando uma aliança, uma união de almas. De acordo com Efésios 5.31,32, é provável que o prazer sexual, o orgasmo, seja um sinal do que será a futura união de Cristo com a Igreja, as Bodas do Cordeiro. Um sinal humano, terreno, natural, mas muito bonito. A união sexual do casal é uma celebração da auto-entrega, da confiança mútua, do recebimento do outro tal como é, sem adereços nem ressalvas, do amor humano.
Por isso a prostituição (em algumas versões traduzida como “fornicação”) e a pornografia são bastante combatidas na Bíblia. Transformar a preciosidade do dar-se numa relação de compra, em que o corpo de outro ser humano vira mercadoria, coisificada, é visto como um pecado tão horrível, contra a natureza do próprio corpo – e é exatamente isso que todas essas fontes de pornografia estão fazendo: visando dinheiro, ou usando o dinheiro para tentar preencher o que só o coração de uma alma gêmea pode proporcionar, e de graça.
Creio, então, que falta a promoção dessa sexualidade sadia, que merece ser cultivada, respeitada e tratada com muito carinho. Há muitos outros textos na Bíblia, especialmente para casamento, mas aqui vamos nos ater ao básico para começar esse diálogo, e o começamos por enfatizar que, muito mais que um perigo, a sexualidade é acima de tudo boa e bonita.
2. O Contexto Brasileiro:
O ensino neotestamentário, mais claramente nas cartas de Paulo, é de que podemos ser cristãos em qualquer condição social (escravos, mulheres, senhores, etc.), e que o Cristianismo não é uma bandeira para uma “revolução nos costumes”, nem para frente, nem para trás. Primeiramente, o Reino de Deus não é deste mundo; se perdermos essa perspectiva, provavelmente nos perderemos nas ações. Em segundo lugar, é neste mundo que o Senhor quis nos deixar até a Sua vinda. Ser sal e luz, então, será traduzido via boas obras, sabedoria nos posicionamentos e ações, e muita “agradabilidade” nas comunicações (Col 4.6).
Sempre devemos levar em conta a sociedade em que Deus nos pôs. E no terreno da sexualidade, para bem e para mal, a cultura brasileira é bastante diferente da de outros países. A influência massiva da televisão, com grande apelo para a nudez e o erótico certamente estão deixando marcas no amadurecimento sexual de nossas crianças, e no comportamento dos adultos. Extremamente publicizada, a sexualidade povoa nosso imaginário cultural desde cedo neste país.
Ao mesmo tempo, na área dos costumes, estamos integrados no mundo ocidental, em que as tradições herdadas de nossas avós vão sendo substituídas cada vez mais, e essas mudanças vão sendo aceitas na nossa sociedade sem grandes traumas. Exemplos dessas “modernizações” dos costumes é a aceitação do divórcio, a adoção “à brasileira”, a prática do “casamento sem papel passado”, como também o conceito de namoro, o desuso crescente do noivado, a visão de casamento e separação, a aceitação de algum tipo de união homossexual. Faz diferença se vivemos em cidades pequenas ou nas grandes metrópoles e, de um modo bastante geral, acho que podemos aplicar as orientações paulinas no sentido de não afrontarmos a sociedade por meio de nossos costumes.
3. Princípios Bíblicos Básicos
Primeiramente o que já aprendemos (e às vezes já pregamos) em nosso meio evangélico:
3.1 As igrejas que trabalham junto aos irmãos mais humildes (como a maioria das Assembléias de Deus) ainda têm por prática não falar em sexo. Aos poucos há alguma abertura, mas bem minoritária. Com esse silêncio do povo de Deus, os jovens crescem com a impressão de que sexo é um assunto totalmente afastado de Deus, talvez até oposto a Ele.
Há muitas histórias, que seriam cômicas não fossem trágicas, de casais que não sabem o que fazer para integrar a vida sexual com sua condição de cristãos. E há muitos abusos, que passam despercebidos de todos menos de Deus. E os jovens, previsivelmente, abandonam a igreja em grande número quando descobrem que sua sexualidade não cabe no discurso oficial.
3.2 Foi nesse contexto, em que as igrejas evangélicas tradicionais também estavam que, na década de 70 se difundiram as preleções em acampamentos de mocidade, sobre “Namoro, Noivado, Sexo e Casamento”. Começaram com palestras, seguiram-se livros e artigos vários. O que eles ensinavam (alguns continuam ensinando), basicamente:
• Masturbação é pecado
• Namoro que não seja sério é errado
• Sexo fora do casamento é pecado
• Sexo dentro do casamento é uma bênção
• Separação de casais é pecado
A grande virtude dos irmãos que ensinaram esses princípios foi a de finalmente porem o assunto “sexo” em pauta. Os jovens daquela época passaram a ouvir um monte de proibições e alertas sobre sexualidade, mas pelo menos eles podiam estar ouvindo alguma coisa dentro do ambiente cristão. “Rasgou-se a cortina do templo” do tabu sexualidade, e isso não foi pouco.
3.3 Passadas 4 décadas (e com as mudanças da sociedade que ocorreram nesse meio tempo), esses ensinamentos têm-se mostrado insuficientes para lidar com a realidade. Agora às vezes não falar nada pode ser melhor do que falar mal.
As igrejas brasileiras de classe média têm sentido necessidade de um ensino e orientação bíblica mais completo, que integre a verdade bíblica com a realidade de vida. Muito irmãos (principalmente os que já passaram pela juventude) continuam “presos” àqueles princípios como se eles fossem textos bíblicos – e não são. Está, de certa forma, se repetindo a situação de “silêncio” por parte da igreja, para tratar da sexualidade da forma real, como a vivenciamos em nossa cultura, que já não é mais a mesma de 40 anos atrás.
Algumas igrejas já postularam a verdade de que “pessoas são mais importantes do que coisas”, o que foi um avanço na sua época. O próximo passo necessário seria aprendermos e afirmarmos, como nosso Senhor fez, que “pessoas são mais importantes do que princípios” (esse é o sentido de “o sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado”). Isso deve poder ser aplicado também em relação à sexualidade.
Pessoas estão sofrendo em nosso meio, especialmente mulheres e meninas, mas também rapazes e casais, e me parece que esses princípios que foram libertadores há 40 anos agora têm efeito quase contrário. É claro que a solução não seria simplesmente contrariar aqueles princípios (como talvez o mundo gostaria). Mas há uma necessidade muito evidente de reestudarmos a questão, de termos a coragem de questionarmos os princípios e voltarmos ao texto – e contexto – bíblico para buscar com Deus uma orientação mais eficaz.
Acredito que, ao não querermos reexaminar nosso ensino, estejamos sendo cúmplices de sofrimentos e situações tais como: muitas mulheres ficarem solteiras sem o desejarem, gravidezes indesejadas, casamentos efetuados cedo demais (com consequentes separações posteriores), experimentações homossexuais, sem falar de culpas neuróticas, abusos e violências causadas por falta de uma orientação saudável da sexualidade. Tenho certeza de que Deus se importa, e muito, com o sofrimento de seus filhos e filhas mais jovens.
Felizmente, vejo que a Bíblia traz nova luz ao tema:
4. Examinando melhor as Escrituras
Acredito que, por motivos didáticos ou de comunicação, tenhamos simplificado demais explicações e orientações práticas naqueles estudos clássicos.
1) Fornicação – a definição apresentada naquelas palestras era: “toda relação sexual fora do casamento”.
Embora eu seja contra a relação sexual fora do casamento, tenho de reconhecer que essa explicação do termo bíblico não é bem verdadeira: a palavra original ali é “pornéia”; a raiz “porn” (a mesma de “pornografia”) indica “pagar dinheiro em troca de”. Por isso a maioria das traduções da Bíblia hoje já adota outro termo, bem mais claro, para traduzir porneia: “prostituição”. Esse sentido é correto, faltando porém um termo que também inclua claramente a pornografia.
Com isso quero dizer que não está correto utilizar este termo bíblico para qualificar uma relação sexual entre um casal de namorados, por exemplo. Não quero aqui discutir se é certo ter relações antes do casamento, mas estou afirmando que isso não é o pecado de “fornicação”, nem de “prostituição”.
Só essa constatação já deveria nos tornar mais abertos (mais humildes) para lidar, por exemplo, com casais que estão noivos, que se amam e assumem publicamente sua relação. Às vezes não se “casam” (de papel passado) por dificuldades econômicas, ou burocráticas, de não ter condições de morar em um lugar separado, etc. Não quero aqui julgar certos e errados; mas cabe perguntar se não estamos dando um valor demasiado a uma cerimônia que, a bem da verdade, é bastante cultural, a “cerimônia de casamento”, com dia e hora marcada, noiva de branco, troca de alianças, sermão e bênção pastoral. Nenhum desses itens está ordenado na Bíblia.
Parece-me que corremos o risco de estar “oprimindo o homem por causa da lei do sábado”, sendo que os componente bíblicos de um casamento talvez estejam todos presentes (amor, verdade, fidelidade, união pública e assumida). Da mesma forma, acho que provavelmente está totalmente equivocada a aplicação de uma “disciplina eclesiástica” nos casos assim, especialmente quando a noiva engravida.
Há mais uma consequência triste desse erro de pregação, e espero conseguir não ser mal entendido aqui: se enfatizarmos demais a necessidade de os jovens casarem virgens (como, por exemplo, faz a cultura evangélica norte-americana), estaremos colocando o sexo como principal motivo da decisão de se casar, como coluna principal do casamento. E o sexo não aguenta tanta responsabilidade – é possível que seja por isso que tantos casamentos de jovens cristãos acabem logo nos primeiros anos. Novamente, não estou dizendo que se deva simplesmente liberar o sexo para os jovens; mas estou dizendo que acho que damos importância demais para o chegar virgem ao casamento, até criando uma espécie de”maldição” para aqueles que não o conseguirem, e tudo isso baseado num princípio falso, da definição errada de “fornicação”. Essa questão merece um cuidado maior e mais amoroso – o rigor deveria ser maior para os adultos casados, pais, tios e avós, do que para os filhos que ainda não atingiram plenamente a maturidade.
2) O silêncio sobre a Prevenção – creio ser esse mais um pecado que Deus irá cobrar de nós pastores. Por não querermos correr riscos, como o de parecer conivente com o “pecado”, temos deixado nossa mocidade sem orientação sobre prevenção sexual.
Por trás dessa nossa cautela geralmente esconde-se a crença errada de que vamos conseguir viver sem pecado nenhum, e de que esta seria a nossa obrigação maior para com Deus. Há textos bíblicos claros para nos orientar nesse assunto: I João 1.8 e 10, por exemplo, onde o apóstolo ancião se inclui para deixar bem claro que nunca viveremos sem pecar nesta terra. Será possível que nós consigamos falar sobre prevenção sem estimular a prática desregrada da relação sexual? Deve ser possível podermos dizer algo como: “Não estou dizendo que é certo você ter relações sexuais com sua namorada/namorado; o que estou dizendo é que, mesmo assumindo que seja errado, se você for errar, não cometa um segundo erro, muito pior, que seria o de ter relações sem preservativo; porque além de errar, você pode estar pegando AIDS, ou você pode estar engravidando”. Um erro nunca justifica o outro. E às vezes na vida Deus só nos dá condições de escolher entre o mal maior e o mal menor. Não pretendo aqui discutir o erro do sexo antes do casamento – já foi dito muito e demais sobre esse ponto. Mas o medo desse erro não justifica não prevenirmos sobre outro muito pior, que é o de envolver outras vidas (gravidez) ou doenças gravíssimas (AIDS) na relação sexual. Mais importante ainda: veja a questão da imagem de Deus (ponto 5, abaixo).
3) Masturbação – nesse ponto até os preletores mais tradicionais concordam: a Bíblia não fala sobre masturbação. Mas mesmo assim a única coisa que tem sido dita sobre ela é que é pecado. Na prática, esse ensino não tem sido eficaz para evitar a masturbação dos jovens e adolescentes, mas tem sido muito eficaz para causar sentimentos de culpa, levando inclusive alguns mais fracos psicologicamente a cometerem atos insanos e a pensarem seriamente em suicídio.
Novamente, vamos focar sobre o que a Bíblia fala: ela nos adverte contra a cobiça, contra a lascívia, contra a prostituição. A masturbação pode estar a serviço desses pecados como também pode não estar. Penso que seria mais correto orientarmos contra a busca na pornografia, na Internet, nas revistas, vídeos, etc., pois essa sim tende à prisão do vício, além de representar uma imagem totalmente distorcida do sexo.
Eu sugeriria aos jovens para procurarem evitar encher sua mente de imagens eróticas, que certamente vão povoar os pensamentos depois, para não associarem a masturbação a incursões na pornografia.
Mas, para ser honesto com Deus, creio que teria de lembrar que não é a masturbação em si que a Palavra de Deus condena (o ato físico de auto-estimulação). E procuraria, novamente, chamar a atenção para uma visão positiva da sexualidade.
4) Pecados e pecados: Já temos consagrado entre nós o chavão “não existe pecadinho e pecadão”, e ele nos serve inclusive para o bem de muitos oprimidos. Mas, interessantemente, a Bíblia faz uma distinção, justamente nessa área (I Co 6.18): “qualquer outro pecado que o homem comete, é fora do corpo; mas o que se prostitui peca contra o seu próprio corpo. Fugi da prostituição” (aqui o termo é pornéia, portanto significa “transformar uma pessoa – e nosso corpo – em objeto, como a prostituição e a pornografia fazem”). Esse texto pode ser enfatizado, e isso pode nos ensinar também sobre uma visão mais positiva da sexualidade.
5)A imagem de Deus: por último, o mais importante: Deus não quer nos governar pelo medo, mas sim pelo amor de filhos e filhas (cfe. Rom 8.15,16, 1Jo 4.16-18). Essa é a atitude divina que temos o privilégio de poder compartilhar com nossos jovens: um “Deus Papai”, que não abandona os seus filhos, e os cria na certeza inabalável de Seu amor, mesmo quando erram.
Pais e mães são quem melhor pode falar sobre sexo com seus filhos; e é nesse tom que a Palavra de Deus trata desse assunto. Um Deus que em Cristo veio ao mundo para salvá-lo e não para julgá-lo. Vez por outra essa atitude será posta à prova (aliás, exatamente quando eles erram); que o Senhor nos ajude a não falharmos nesse importante trabalho do Espírito.
Karl Kepler
Pastor e psicólogo