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PROF. DR. MIGUEL CHALUB (1939-2021)

Artigos e Notícias

PROF. DR. MIGUEL CHALUB (1939-2021)

Tive o privilégio de conhecer Miguel Chalub em 1970, durante minha Residência no IPUB – Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil, a atual Universidade Federal do Rio de Janeiro. Seu porte avantajado e os cabelos grisalhos, somados ao olhar arguto e humor discreto, já lhe conferiam respeitosa aura de sabedoria.

Isso era confirmado nas aulas que ministrava. Esbanjava conhecimentos em psicopatologia e clínica psiquiátrica, ao lado da bagagem médica, especialmente em Neurologia. Também nos nutria com ampla visão humanística e cultural. De fato, tendo concluído o curso médico em 1963, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, ampliou a sua formação graduando-se em Filosofia, Sociologia e Psicologia. Era inevitável que se destacasse. E ainda não se deteve: completou formação pela Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, mestrado em Psicologia, mestrado e doutorado em Psiquiatria. Na juventude não passou pelo Seminário, como supúnhamos, pois, na verdade, frequentou escolas públicas.

Não me esqueço dos momentos que antecediam as famosas reuniões do Centro de Estudos, às sextas feiras. Nós o encontrávamos, invariavelmente, percorrendo os livros novos expostos nos bancos do jardim, sempre embraçando três ou quatro que levava consigo. Era a referência para as nossas aquisições.

Tínhamos em comum algo que não era frequente entre os psiquiatras daquele tempo: o cultivo da fé cristã. Isso nos manteve próximos, mesmo após meu retorno para Juiz de Fora. Fiquei sabendo das ligações mineiras da sua família. Encontramo-nos nalgumas de suas visitas à cidade, de passagem para São João Nepomuceno, sua cidade natal.

A amizade foi crescendo, o que não impedia que aflorassem divergências, ocasiões em que a clareza de posições prevalecia. Pouco tempo depois, quando pleiteei ingressar no Mestrado em Psicologia oferecido pela PUC RJ, busquei o seu aval, já que lá ministrava Psicopatologia e era prestigiado, inclusive pelo acesso pessoal ao Cardeal Eugênio Salles. Ele opôs-se à minha pretensão, recomendando ater-me às minhas limitações; e que fosse respeitada a exclusividade de acesso aos psicólogos. Simples assim: amigo é aquele que nos diz coisas que não gostamos de ouvir.

Já em 1976, comuniquei-lhe meu envolvimento na organização do CPPC – Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos. Ele empolgou-se mais do que eu esperava: “Que coisa boa. Me põe nisso, eu quero participar”. E assim foi, por mais de 30 anos, inscrito como Membro Profissional, sempre com a anuidade em dia, interessado nas atividades e publicações. Compareceu a pelo dois dos Congressos Nacionais, deslocando-se voluntariamente a Mendes e a Conservatória (RJ), quando brindou a todos com palestras enriquecedoras. Entendia-se bem com a psicóloga Gláucia Medeiros, nossa referência no Rio de Janeiro.

Depois, quando os Congressos da ABP passaram a incluir mesas de discussão sobre Saúde Mental e Espiritualidade, também esteve envolvido, tanto nas propostas e defesa junto à Comissão Científica, como na exposição de temas. Sua participação dava credibilidade e agregava conteúdo relevante.

Desde os anos 90, achegou-se cada vez mais à Psiquiatria Forense. Nos eventos da especialidade ocupava-se preferencialmente dessa área, onde ficava protegido de assédios políticos e de interesses econômicos, bem como das disputas de celebridades. Não escondia o seu lado conservador, inclusive no campo religioso: preferia frequentar o Mosteiro de São Bento, onde encontrava celebrações tradicionais, canto gregoriano e rituais suaves.

Eu o tinha como referência para pacientes que buscavam uma segunda opinião, ou que se transferiam para o Rio de Janeiro. Por sua vez, fui distinguido com o encaminhamento de diversos de seus clientes. Uma delas veio para Juiz de Fora acompanhando os pais já aposentados. Apresentava quadro psicótico grave, com intenso conteúdo místico religioso, e foi muito resistente a mim por saber-me de tradição protestante. Durante as consultas, deixava exibida uma foto de Nossa Senhora, referindo-se sempre à mesma; e por muito tempo voltava a consultar com o Chalub, a quem relatava suas reservas para comigo. Certo dia, discutíamos o caso ao telefone, quando ele me disse amigavelmente: “Olha que essa paciente vai lhe trazer ao Catolicismo, hein?!”. A minha resposta veio espontânea e decidida, soando-me até hoje como síntese definidora: “Sem perigo. O meu coração é franciscano, mas a mente é calvinista!”. Coisas assim surgem claras em conversas sinceras, com pessoas confiáveis.

Mais recentemente, fui convidado para ministrar um minicurso sobre Saúde Mental e Espiritualidade em Campos dos Goytacazes. Estando lá descobri que a Diretora da instituição promotora, além de psicóloga, era a Madre Superiora da ordem religiosa e irmã de sangue do Chalub. Quando surgiu a indicação do meu nome ele foi consultado e deu a sua aprovação. Que bom, “nihil obstat” entre nós.

Em 2001, após aposentar-se na UFRJ, ele empreendeu um retorno às origens, tornando-se professor na Faculdade que o graduou médico. Ali não se furtou a novos desafios: já há 10 anos compunha o grupo de assistência aos transexuais, acumulando conhecimento e prática na atenção psiquiátrica a essas pessoas. Também insistia cada vez mais na primazia da psicoterapia como recurso terapêutico para os transtornos psíquicos, mesmo sem fixar-se em condutas ortodoxas. Era essa também a ênfase que imprimia no seu consultório, sempre concorrido, enquanto lhe foi possível.

A informação que me chegou foi que ele sucumbiu após seis meses de luta contra a COVID 19 e suas consequências, que lhe foram devastadoras. Lamento, lamento muito. A morte ainda se mostra traiçoeira e impiedosa. Nesse mesmo tempo, minha leitura bíblica chega ao capítulo 15 da Primeira Carta de Paulo aos Coríntios, onde leio: “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a essa vida, somos as pessoas mais infelizes desse mundo” (verso 19). Felizmente, isso não era o que acontecia com ele.

Uriel Heckert (junho de 2021)

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